A SELEÇÃO DUNGA trouxe à tona um remanescente, na vida brasileira, de que o país tanto deveria se livrar quanto se recusa a encarar. Tudo na seleção, desde o primeiro momento, baseou-se em um exíguo corpo de ideias, e consequentes práticas, que caraterizam o mais deslavado autoritarismo. Era a velha e sempre viva regra: contra a liberalidade descontrolada, não a busca do equilíbrio, mas o autoritarismo.
No estilo anos 30 do século passado, o instrumento simbólico foi o patriotismo (com ou sem aspas). Os chamados à seleção seriam os que Dunga considerasse "dispostos a defender a seleção brasileira com todos os sacrifícios". Se assim foi o começo, no fim derrotado Dunga exaltava "esses jogadores que ficaram 52 dias distantes de tudo". Proibidos de contato com a vista do seu público, proibidos de conversar com jornalistas, proibidos de reunir-se a familiares, proibidos, proibidos. Os 52 dias não foram de concentração, foram de repressão de uma parte e sujeição passiva de outra.
Exigência que Dunga estendeu à imprensa, posta, com bastante passividade, sob a boçalidade como tratamento pessoal e a censura como prática, nas proibições ao trabalho habitual de reportagem e na exiguidade das informações permitidas à população ansiosa. Autoritarismo explícito, na forma mais sentida pela imprensa, e nem por isso mais intolerada. Críticas houve, sim, cautelosas e superficiais; reação, nenhuma. Nem quando Dunga investiu, ao vivo e em cores, contra um comentarista equilibrado, competente, sempre bem humorado e educado, Alex Escobar, nem aí houve sequer um mínimo ato representativo de repulsa ao autoritarismo.
Dunga brindou-se como um ser coerente e foi consagrado como tal, nas ressalvas incluídas pelos críticos às próprias críticas. Ficou dado, assim, um novo nome para a prática da injustiça. Na concepção "coerente" de Dunga, de nada valeram o esforço e o mérito de ser o melhor ou estar melhor. Se jogadores caídos na reserva em seus times são chamados a preterir jogadores em fase de excelência, que seleção é essa? E o que significa para os preteridos? E com que autoridade representa o estágio verdadeiro futebol do país? Apenas valeu o voluntarismo autoritário.
Neste sentido, Dunga fez uma síntese exemplar, quando explicou a convocação de um jogador que está como terceiro goleiro no seu time: "Quando eu convoquei o Dani da primeira vez, ele veio contra a vontade do técnico dele e por isso foi posto na reserva quando voltou pra lá. E o que os outros jogadores iam dizer agora? "Olha o que o Dunga fez com ele...'". A prioridade não era a seleção, no sentido esperado, eram considerações particulares. Impostas a partir do poder. Não da coerência, do reconhecimento justo e dos deveres da função.
A todas as críticas, ou ao que sua visão paranóide tomou por tal, Dunga ofereceu como contraste a devoção e a entrega dos seus cativos à pátria. Não por acaso, na hora de partir para a cruzada patriótica a seleção fora receber a bênção do primeiro mandatário e de sua mulher devidamente paramentados em verde e amarelo.
Mas brasileira é que a seleção não foi, nunca. Futebol fosco e tosco, de gente insegura e desnorteada ante a possível adversidade, nenhum momento de brilho verdadeiro, jamais um encanto de brasilidade. E um histérico à beira do campo ao ver que seu autoritarismo não transpunha fronteiras. Tudo não passou de uma manifestação a mais, e inconteste, do autoritarismo persistente na vida brasileira.
JANIO DE FREITAS Folha de S.Paulo (04.07.2010)
No estilo anos 30 do século passado, o instrumento simbólico foi o patriotismo (com ou sem aspas). Os chamados à seleção seriam os que Dunga considerasse "dispostos a defender a seleção brasileira com todos os sacrifícios". Se assim foi o começo, no fim derrotado Dunga exaltava "esses jogadores que ficaram 52 dias distantes de tudo". Proibidos de contato com a vista do seu público, proibidos de conversar com jornalistas, proibidos de reunir-se a familiares, proibidos, proibidos. Os 52 dias não foram de concentração, foram de repressão de uma parte e sujeição passiva de outra.
Exigência que Dunga estendeu à imprensa, posta, com bastante passividade, sob a boçalidade como tratamento pessoal e a censura como prática, nas proibições ao trabalho habitual de reportagem e na exiguidade das informações permitidas à população ansiosa. Autoritarismo explícito, na forma mais sentida pela imprensa, e nem por isso mais intolerada. Críticas houve, sim, cautelosas e superficiais; reação, nenhuma. Nem quando Dunga investiu, ao vivo e em cores, contra um comentarista equilibrado, competente, sempre bem humorado e educado, Alex Escobar, nem aí houve sequer um mínimo ato representativo de repulsa ao autoritarismo.
Dunga brindou-se como um ser coerente e foi consagrado como tal, nas ressalvas incluídas pelos críticos às próprias críticas. Ficou dado, assim, um novo nome para a prática da injustiça. Na concepção "coerente" de Dunga, de nada valeram o esforço e o mérito de ser o melhor ou estar melhor. Se jogadores caídos na reserva em seus times são chamados a preterir jogadores em fase de excelência, que seleção é essa? E o que significa para os preteridos? E com que autoridade representa o estágio verdadeiro futebol do país? Apenas valeu o voluntarismo autoritário.
Neste sentido, Dunga fez uma síntese exemplar, quando explicou a convocação de um jogador que está como terceiro goleiro no seu time: "Quando eu convoquei o Dani da primeira vez, ele veio contra a vontade do técnico dele e por isso foi posto na reserva quando voltou pra lá. E o que os outros jogadores iam dizer agora? "Olha o que o Dunga fez com ele...'". A prioridade não era a seleção, no sentido esperado, eram considerações particulares. Impostas a partir do poder. Não da coerência, do reconhecimento justo e dos deveres da função.
A todas as críticas, ou ao que sua visão paranóide tomou por tal, Dunga ofereceu como contraste a devoção e a entrega dos seus cativos à pátria. Não por acaso, na hora de partir para a cruzada patriótica a seleção fora receber a bênção do primeiro mandatário e de sua mulher devidamente paramentados em verde e amarelo.
Mas brasileira é que a seleção não foi, nunca. Futebol fosco e tosco, de gente insegura e desnorteada ante a possível adversidade, nenhum momento de brilho verdadeiro, jamais um encanto de brasilidade. E um histérico à beira do campo ao ver que seu autoritarismo não transpunha fronteiras. Tudo não passou de uma manifestação a mais, e inconteste, do autoritarismo persistente na vida brasileira.
JANIO DE FREITAS Folha de S.Paulo (04.07.2010)
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