CARLOS CHAGAS (Tribuna da Imprensa)
Com 513 deputados, fica impossível acompanhar sistematicamente a atuação de cada um. Na Câmara tem gente boa, que fala com bom-senso e nós nem percebemos. O noticiário concentra-se nos dirigentes partidários e naqueles parlamentares de muitos mandatos, nem sempre merecedores das atenções a eles dedicadas.
Com 513 deputados, fica impossível acompanhar sistematicamente a atuação de cada um. Na Câmara tem gente boa, que fala com bom-senso e nós nem percebemos. O noticiário concentra-se nos dirigentes partidários e naqueles parlamentares de muitos mandatos, nem sempre merecedores das atenções a eles dedicadas.
Para compensar a massificação que atinge a maioria, desde 1946 encontrou-se uma solução, mesmo imperfeita. Afinal, para discursar com densidade e tempo, os deputados precisam inscrever-se semanas, senão meses antes. Ainda assim, dependem da boa vontade dos líderes. Criou-se então, antes do início das sessões, um período chamado de pinga-fogo, onde cada orador dispõe de apenas três minutos para expor sua opinião sobre qualquer assunto. Basta chegar, dar o nome e falar.
Nessas ocasiões, é frequente a exposição de abobrinhas, meros recados regionais ou conceitos incompletos. De vez em quando, porém, surgem surpresas capazes de conduzir o orador à admiração geral.
Foi o caso, na semana que passou, precisamente na quinta-feira, do jovem deputado Regufe, eleito pelo Distrito Federal. Em três minutos ele conseguiu resumir a perplexidade que atinge o país inteiro, mas que todos ocultamos matreiramente.
Referiu-se ao fato de que em pelo menos dez capitais estaduais estão sendo erigidos ou remodelados monumentais estádios de futebol, visando a realização da Copa do Mundo de 2014. Nada a opor à realização do certame e aos esforços para abrilhantá-lo, não fossem os números. Cada estádio, entre os novos e os recondicionados, custa no mínimo um bilhão de reais. Alguns, até, muito mais. Servirão para que as maiores equipes mundiais se apresentem, concentrando no Brasil as atenções do planeta.
O problema, disse Regufe, é que um hospital de porte amplo, num país com tamanho déficit na saúde pública, custa em média 100 milhões de reais. Tivesse a opção nacional, mais do que a governamental, optado por hospitais em vez de estádios, com os recursos hoje dispendidos seria possível construirmos nada menos do que 100 unidades hospitalares públicas. Imagine-se o que isso representaria para minorar as agruras da maioria da população exposta a filas, atrasos, mau ou nenhum atendimento.
Dá o que pensar, a conta apresentada pelo jovem representante do PDT. A FIFA e os barões do futebol iriam estrilar, mas suas exigências valeriam mais do que uma completa reviravolta nas estruturas da saúde pública? Tudo foi dito em três minutos, mas estamos perdendo três décadas, com a opção pelos estádios. Até porque, os hospitais funcionariam 24 horas por dia e os estádios, no máximo nos fins de semana.
POBRE PROFESSOR LIPMANN
No começo do século passado havia na Sorbonne, em Paris, um monumental catedrático de Física, mestre dos mestres, o professor Lipmann. A ele cabia, todos os anos, dar a aula inaugural para os jovens estudantes da matéria . Sem meias palavras, dirigia-se aos alunos enfatizando ter pena deles. Dó. Comiseração. Humilhava a todos indagando porque tinham escolhido estudar Física, porque a Física já estava pronta, arrumada, acabada e empacotada. Nada haveria mais a pesquisar e a descobrir.
Pobre professor Lipmann, que felizmente para ele morreu antes de saber da existência de Einstein, da Física Quântica, da Partícula de Deus e de tanta coisa a mais, descoberta e por descobrir.
Passa-se coisa parecida no PT, mesmo a gente resistindo à tentação de fulanizar o seu professor Lipmann. Entendem os atuais dirigentes do partido que nada mais existe para desenvolverem. Já chegaram ao poder, nele se instalaram e agora a palavra de ordem é conduzir o governo de acordo com suas concepções. Imobilizaram-se. E até aproveitam das benesses inerentes a quem conduz o processo político.
Jovens que se interessam em ingressar no PT são recebidos com a mesma arrogância e petulância do francês catedrático de Física. O partido está pronto, arrumado, acabado e empacotado. Não há mais metas a alcançar nem programas a engendrar. Muito menos uma sociedade a modificar. Seria bom que os companheiros seguidores do professor Lipmann tomassem cuidado. As próximas eleições poderão revelar novidades e descobertas profundas, no âmbito do partido.
À ESPERA DAS MEDIDAS
Declarou a presidente Dilma Rousseff estar o governo pronto para tomar medidas capazes de atenuar o impacto da crise econômica. Como nas Nações Unidas ela havia criticado as teorias defasadas que o mundo velho vem aplicando para enfrentar as dificuldades, devemos partir da premissa de não termos aumento de impostos, redução de salários e aposentadorias, demissões em massa e cortes dos investimentos sociais. Apesar de serem encontrados no governo alguns defensores de uma ou de todas essas maldades, basta a palavra da presidente para a certeza de estarem afastadas.
Fica, no entanto, uma dúvida: a que medidas Dilma estaria se referindo, se as coisas ficarem ainda mais complicadas? Aumento de impostos só para os mais ricos? Congelamento dos salários? Nivelamento por baixo das aposentadorias? Frentes de trabalho para compensar demissões? Interrupção, mesmo sem recuos, das políticas públicas voltadas para a educação, a saúde e a segurança?
LIÇÕES DE ITAMAR
Foi emocionante, no programa de propaganda partidária gratuita do PPS, quinta-feira, assistir o saudoso presidente Itamar Franco apresentar um dos mais perfeitos diagnósticos da realidade brasileira. A gravação da entrevista que ele havia concedido pouco antes de morrer foi mostrada em pílulas, assunto por assunto. Para muita gente não ficou pedra sobre pedra, apesar do tom conciliador com que abordou cada um dos graves problemas nacionais. Congresso, partidos, eleições, governo, políticas sociais, seriedade no trato da coisa pública, intolerância diante da corrupção – tratou-se de uma lição inesquecível. Pena que não se façam mais políticos como Itamar.
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