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sábado, 17 de dezembro de 2011

Morre, aos 88, o grande ator Sérgio Brito

Colegas de palco, diretores e críticos lamentaram a morte de Sergio Britto na manhã deste sábado (17), no Rio. O ator e diretor morreu por conta de problemas cardiorrespiratórios aos 88 anos.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Corrupção musical na televisão baiana

O noticiário televisivo Bahia Meio-Dia, da Rede Bahia, sobre ser um programa telejornalístico profissional e competente, peca, todavia, pela corrupção musical, pelo lixo que oferece, em termos de música, todo santo dia aos baianos. Como se a Bahia, que tem tantos nomes expressivos na história da música brasileira, estivesse, agora, reduzida a medíocres grupos de axé, arrocha, pagodé e o escambau. A regra dos responsáveis pela edição é chamar o que há de pior, esquecendo-se completamente de outros valores que possam, atualmente, existir nesta tão maltratada soterópolis. Uma exceção, há um mês, foi a apresentação do sambista de qualidade Nelson Ruffino. Agindo nesse propósito, o referido noticiário ajuda sobremaneira a embrutecer o seu telespectador, e o embrutecimento, como dizia Shakespeare, é um crime.

sábado, 5 de novembro de 2011

Amigos de Glauber contestam biografia escrita por Nelson Motta


Reportagem da revista eletrônica Terra Magazine escrita por CLÁUDIO LEAL

Os membros da geração Mapa, liderada na Bahia pelo cineasta Glauber Rocha (1939-1981), questionam a veracidade da narrativa biográfica de "A primavera do dragão" (Editora Objetiva), do produtor musical e jornalista Nelson Motta. O livro retrata a juventude de Glauber, o maior diretor da história do cinema brasileiro, e se estende até o início da trajetória internacional do filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", em 1964.

O poeta e historiador Fernando da Rocha Peres se irritou com os erros da obra e dirigiu um telegrama à Objetiva: "Senhor Editor: Recebi dois exemplares não-solicitados do livro A Primavera do Dragão, do Sr. Nelson Motta. Agradeço a oferta editorial. Tenho a dizer que o livreco é feio, mal escrito, mentiroso e mais houvera adjetivos. Deste modo, acredito que o editor vai cuidar de minorar este equívoco que foi a publicação de um livro irresponsável."

Em mais de 25 citações a seu nome, Peres é chamado de "Bananeira". Mas este é o apelido de outro Fernando da geração Mapa, o jornalista Fernando Rocha.

- Tenho esse apelido desde a idade de 12 anos. Em Boa Vista de Brotas, minha casa tinha uma touceira de bananeiras. Eu e minha família distribuíamos bananas aos amigos. O 'Bananeira' vem daí - explica Rocha. - Nunca falei com ele (Motta). É um absurdo isso, rapaz! O cara escreve por ouvir dizer, sem tomar conhecimento.

Peres tem uma opinião mais dura:

- A troca de nomes pelo senhor Nelson Motta revela a sua incapacidade de lidar com o gênero biográfico.

Admitindo a troca, Nelson Motta pede desculpas:

- Gostaria de me desculpar com o poeta e historiador Fernando Rocha Peres e o jornalista Fernando Rocha, por ter atribuído a um o apelido do outro ("Bananeira"), um equivoco que lamento e será corrigido na próxima edição, mas em nada afeta a narrativa em que o protagonista absoluto é outro Rocha: Glauber.

As histórias de "A primavera do dragão" são cravadas de adjetivos: "mentirosas", "folclóricas", "falsas", "inverídicas" e "ficcionais", disparados por amigos de Glauber ouvidos por Terra Magazine.

A geração Mapa (o nome da revista do grupo, inspirado em poema homônimo de Murilo Mendes) atuou na literatura, nas artes plásticas, no cinema e no teatro, contribuindo para a renovação da cultura brasileira nos anos 50 e 60. O núcleo inicial era formado por Glauber Rocha, Paulo Gil Soares, João Carlos Teixeira Gomes, Fernando da Rocha Peres, Jaime Cardoso, Fernando Rocha, Calasans Neto, Ângelo Roberto, Antonio Guerra Lima (o "Guerrinha") e Albérico Mota. Também se agregaram ao grupo os escritores Carlos Anísio Melhor, Fred de Souza Castro, João Ubaldo Ribeiro, Florisvaldo Mattos, Sônia Coutinho, Noênio Spínola, David Salles e o pintor Sante Scaldaferri, entre outros.



"Anedotário gasto"
Protagonista da Mapa e autor de "Glauber Rocha, esse vulcão" (Ed. Nova Fronteira), reputada pela crítica como a melhor biografia do diretor de "Terra em transe", João Carlos Teixeira Gomes avalia que Motta usa "um anedotário gasto, sem sentido e já desmoralizado".

- Como biógrafo de Glauber, não gosto de analisar livros sobre ele escritos por outros autores. Mas não pode deixar de me incomodar essa tendência, que julgava superada, de se engrossar a crosta de anedotário sobre uma figura da dimensão cultural de Glauber Rocha. O livro está cheio de erros, falhas de informação, que tumultuam a leitura - critica Joca, como é conhecido (no texto de Motta, ele é chamado de "Joca Teixeira", tratamento jamais usado por seus camaradas).

]Para o biógrafo e amigo de Glauber, há "coisas absolutamente estranhas" em "A primavera do dragão".

- Nunca soube que Caetano Veloso, que nem tinha vinculação com nossa geração, nem aparecia em nada que fazíamos, teve algum caso de amor com Anecy (Rocha, irmã do cineasta). E, se teve, isso é absolutamente irrelevante para a compreensão da vida de Glauber. São muitos os erros de informação, dando uma visão completamente falsa do que foi a geração Mapa, repleta de anedotários irrelevantes, quando na verdade era uma geração de papel cultural destacado na Bahia.

Na abertura do livro, Motta descreve as fontes de boa parte das histórias: "Conversei com seus amigos de colégio e faculdade, o artista plástico Calazans Neto, os poetas e escritores João Carlos Teixeira Gomes e Fernando Rocha Peres, o cineasta Orlando Senna, o produtor e escritor Rex Schindler, o cineasta e inventor Roberto Pires, que criou uma lente de Cinemascope baiana". Segundo o autor, o romancista João Ubaldo Ribeiro contou "aventuras e travessuras com Glauber".

Ocorre que Peres e Joca, incluídos nessa lista, sustentam que nunca foram entrevistados por Nelson Motta. Apenas teriam sido procurados para fornecer e identificar fotografias. O pintor e gravador Calasans Neto morreu em maio de 2006. Peres reage à citação:

- Esta é uma mentira mais deslavada. Não me recordo que este rapaz tenha me entrevistado e creio que também não entrevistou Sante Scaldaferri e Joca, certamente não entrevistou outros companheiros da geração. O que eu fiz foi atender a um porta-voz dele, que me solicitou a identificação de pessoas em uma fotografia que seria publicada no livro. Fiz isto, a contragosto. Hoje, me arrependo, pois o que eu deveria ter dito é que eu só faço depois de ler o livro, porque constato que esse rapaz não sabe escrever. O que ele sabe é enrolar o público, com muita habilidade e um sorriso muito gentil, através da televisão. A competência dele não passa disso. Lamentavelmente, o sistema editorial brasileiro favorece esse tipo de picaretagem editorial. Por isso mesmo, ultimamente vem ululando escritores que mais parecem macacos de circo.

Em resposta enviada a Terra Magazine, Nelson Motta sustenta que o entrevistou, na capital baiana, há 22 anos:

- Em 1989, quando fui a Salvador fazer entrevistas para o livro sobre Glauber que pretendia escrever na época, fui muito bem recebido por Fernando Rocha Peres, que pode ter esquecido, mas gravou uma entrevista (que tenho até hoje) em que contou com graça e bom humor alguns ótimos episódios da Jogralesca, da revista Mapa e de farras juvenis de Glauber (...) Se o citei como participante de algum episódio em que ele não estava presente, me desculpo e o deletarei na próxima edição. Eram muitos os amigos, conhecidos e colegas de Glauber em sua juventude, não acredito que um a mais ou a menos faça grande diferença para contar como Glauber Rocha se tornou Glauber Rocha.

Além de Peres e Joca, as críticas partem de outros companheiros geracionais de Glauber: o jornalista Fernando Rocha ("Bananeira"), o artista plástico Sante Scaldaferri, o advogado Antonio Guerra Lima ("Guerrinha"), o poeta Florisvaldo Mattos e o pintor Ângelo Roberto. Nenhum deles foi entrevistado.

"Livro é ficção", diz membro da Mapa
No livro, Motta explica a origem do projeto biográfico, que remonta a 1989. "Com as gravações das entrevistas transcritas, eu começava a estruturar o livro quando uma notícia de jornal me fez mudar de ideia: Zuenir Ventura estava escrevendo uma biografia de Glauber Rocha", revela

Contudo, o jornalista Zuenir Ventura desistiu do projeto depois de perder o material pesquisado "no carro de uma amiga que foi roubado numa rua de Ipanema". Autor de "Noites Tropicais" e "Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia", Nelson Motta relata que, a partir de 2010, entrevistou Nelson Pereira dos Santos, Luiz Carlos Barreto, Cacá Diegues, Sérgio Ricardo, Yoná Magalhães, Walter Lima Júnior e Caetano Veloso - personalidades que não integravam o grupo de amigos de Glauber na "fase baiana".

- Adoto o princípio glauberiano: cada um é livre para escrever o que quiser. Mas o livro é uma ficção. É mais para enaltecer Glauber. Ele não tem compromisso com a verdade dos fatos - avalia Guerrinha.

Joca procura condensar parte das críticas ao livro:

- Vários os episódios relatados jamais testemunhei como integrante da geração Mapa. Nunca soube, por exemplo, de qualquer tentativa de sequestrar o dono do "Jornal da Bahia", João Falcão, para metralhar Juracy Magalhães ou para pichar um navio espanhol em protesto contra a ditadura de Franco. Tudo isso, se ocorreu, jamais foi comentado entre os membros da geração Mapa, que, afinal de contas, ao lado de Glauber, eram os protagonistas da história, que Nelson Motta não soube contar - diz Teixeira Gomes, incluído na bibliografia de "A primavera do dragão".

Motta minimiza a polêmica e considera que "não dá para levar a sério" o relato das conspirações - "nem era para isto."

- As "conspirações" de araque - como a tentativa de pichar o navio Ciudad de Toledo, a de explodir bancas de jornais, de assassinar políticos, de sequestrar banqueiros, de "espalhar o caos bakuniniano" na Bahia - que compõem alguns dos momentos mais divertidos da história, e que obviamente não eram sérias, apenas fantasias anarquistas de jovens movidos a cerveja e alegria, me foram relatadas pelo artista plástico Calazans Neto, pelo escritor João Ubaldo Ribeiro e pelo cineasta Orlando Senna, em entrevistas gravadas, às gargalhadas - argumenta o jornalista.

Na Bahia, o artista plástico Calasans Neto era conhecido pelo talento para fabular e contar anedotas nem sempre fidedignas. Cético, Peres duvida que Ubaldo tenha se equivocado:

- Não creio que João Ubaldo tenha sido o grande informante do senhor Motta, pois sendo mais jovem não fazia parte de nosso grupo e portanto não pode ter tanta memória. A amizade acontecida entre os dois, posteriormente, possivelmente, não teria permitido informações inverídicas, levianas e grosseiras. Com a palavra João Ubaldo!

Ciudad de Toledo
Indignado, Fernando da Rocha Peres se incorpora ao testemunho de Joca: ainda que o gesto pareça heróico, nunca houve a tentativa de pichar o navio espanhol Ciudad de Toledo, "atracado a 500 metros do cais" de Salvador, em protesto contra o generalíssimo Franco (Pág. 65). Para o poeta, o autor ouviu Glauber numa "sessão espírita":

- Eu suponho que esses fatos que têm uma conotação política e pseudo-revolucionária, apontados no livro deste senhor, não passam de uma invenção, quem sabe captada numa sessão espírita, ouvindo Glauber Rocha. Ele deve frequentar alguma casa de baixo espiritismo para escrever os livros que edita - ironiza o historiador.

Ladrão x Glauber
Guerra Lima e Peres (chamado, uma vez mais, de Bananeira) não testemunharam qualquer assalto à residência de Glauber Rocha, como está relatado no livro ("Glauber estudava na sala com Bananeira e Guerrinha"), e desmentem o suposto diálogo entre Glauber e um ladrão, uma das histórias mais saborosas da biografia (Pág. 95). Glauber teria falado para Lúcia Rocha: "Calma, mãe, este homem não é um ladrão: ele está é com fome!". "Não estou com fome porra nenhuma! Eu sou é ladrão!", ouviu do assaltante.

- O livro é mais ficção do que biografia. Ou estou desmemoriado, ou não estava ali - contesta Guerrinha.

Nelson Motta diz que Glauber lhe contou o diálogo:

- O episódio do encontro de Glauber com um ladrão me foi contado, ou inventado, pelo próprio Glauber. E depois confirmado em entrevista gravada com dona Lucia Rocha, uma das muitas que fiz em 1989, que foi minha principal fonte, e que pode ter se equivocado em relação aos dois amigos que estudavam com Glauber quando um ladrão entrou em sua casa. Vou tirar os nomes dos que dizem não estar presentes e substituir por "dois amigos" (...) E não há motivos para duvidar da palavra de sua mãe - afirma o autor.

Queima de cadernos
Na página 263, Nelson Motta narra: "Depois, como nos velhos tempos, foram festejar no Tabaris. Mas antes passaram na casa de Bananeira, onde ele juntou todos os seus cadernos escolares em um saco de lixo e levou para o cabaré. Diante da turma, amontoou-os na calçada, despejou uma garrafa de cachaça, acendeu um fósforo e flambou o seu passado, sob gritos e aplausos".

Peres qualifica o relato como "mentiroso". Outros membros da geração, consultados pela reportagem, também desconhecem a "queima" dos cadernos.

- A geração de Glauber Rocha e seus amigos aparecem no livro como personagens de um cordel levado ao absurdo. Grande parte dos acontecimentos são relatados de uma maneira caricata e grotesca. O livro, quem sabe, mereceria ser processado judicialmente. Este assunto ficará no ar - avisa Peres.

João Ubaldo e Glauber no Jornal da Bahia
Ao abordar a entrada da geração Mapa no recém-fundado "Jornal da Bahia", em 1958, Nelson Motta se equivoca: "Dos jovens talentos locais, Ubaldo foi o primeiro a ser chamado para a redação e, dois meses depois, já com alguma moral, trouxe os amigos Paulo Gil, Bananeira e Glauber para a reportagem". (Pág. 170)

João Ubaldo Ribeiro não levou Glauber e demais amigos para o jornal. A biografia "Glauber Rocha, esse vulcão", de Teixeira Gomes - prefaciada por Ubaldo -, e o depoimento unânime dos membros geração Mapa comprovam que Glauber convocou os amigos para formar a equipe de repórteres. A ocupação da imprensa era uma das metas dos agitadores culturais.

- Dentre outros numerosos equívocos do livro, está a informação de que João Ubaldo Ribeiro foi quem levou o grupo Mapa para o novo "Jornal da Bahia", inaugurado em 1958. Isto é uma absoluta inverdade, pois Ubaldo nesta época nem se aproximava do grupo. Ele próprio reconhece que foi uma figura retardatária e que não se considerava propriamente um membro da geração Mapa. Quem nos levou para o "Jornal da Bahia", antes mesmo de o jornal circular, foi Glauber Rocha, que já mantinha contatos com o grupo de jornalistas mais experientes e egressos do Partido Comunista, que iam fundar o novo matutino - corrige Joca.

O poeta Florisvaldo Mattos afirma que foi convidado, igualmente, por Glauber. Ubaldo se incorporou ao grupo na Faculdade de Direito.



Castro Alves 1
Na página 104, Motta escreve que "na véspera do Carnaval, um comando da folia formado por Glauber, Bananeira e Anísio voltou a invadir o cemitério, arrancou a lira de Castro Alves e a entregou a Moby Dick (colunista social Silvio Lamenha)". Na página 103, o autor se refere ao cemitério "Quinta dos Lázaros". Na realidade, o "poeta dos escravos" foi enterrado no cemitério do Campo Santo, no bairro da Federação, em Salvador. Fernando da Rocha Peres ressalta que nunca participou do episódio.
Em "O homem da montanha" (Imprensa Oficial), página 95, o cineasta Orlando Senna conta a mesma história, com o nome correto do cemitério e sem registrar a presença de Peres.

Castro Alves 2
Antonio Guerra Lima, presente na declamação do clássico poema "Navio Negreiro", de Castro Alves, na Faculdade de Direito, quando houve o encontro entre Glauber e Helena Ignez, contesta: o nome do declamador não era "Agripino". Ele se recorda de Péricles Diniz Gonçalves, o Pequinho, o que é confirmado pela biografia "Glauber Rocha, esse vulcão", nas páginas 211 e 212: "Após a indicação da premiação, o próprio Péricles Diniz Gonçalves subiu à tribuna do salão nobre da faculdade, onde se realizava o concurso, para declamar 'O navio negreiro', de Castro Alves", descreve Teixeira Gomes.

"Fuzilamento de Juracy Magalhães"
Estudiosos da obra do poeta Gregório de Mattos e amigos fundamentais de Glauber, Fernando Peres e Joca desmentem relatos "folclóricos", sem precisão histórica. Peres refuta a existência (até mesmo no plano de brincadeira) de qualquer tentativa de ataque ao dono do "Jornal da Bahia", João Falcão, do qual era amigo. Guerrinha, citado como um dos participantes de uma suposta reunião para preparar o "fuzilamento" de Juracy Magalhães e explodir bancas de jogo do bicho, indica outra vez a incidência de "ficção". "Nunca existiu!", disse Guerra, aos risos. Fernando Rocha, o verdadeiro Bananeira, sorriu ao saber da história: "Maluquice danada!".

- Glauber sairá dessa narrativa, tida como biografia, que para mim não é, com uma imagem positiva. Mas o livro é uma narrativa glamourizada, sem compromisso com a realidade, com os fatos. Para quem não viveu aquele tempo e não morou na Bahia, não há nada. Mas, quem conhece Salvador vê muitas informações equivocadas - analisa o poeta Florisvaldo Mattos, ex-diretor da sucursal baiana do Jornal do Brasil.

O pintor Sante Scaldaferri identifica uma falha metodológica:
- A pesquisa foi mal-orientada. Simpatizo com Nelson Motta, mas ele pisou na bola porque não é pesquisador. Poderia mandar o livro para Joca e Fernando Peres tirarem todos os erros. Se fosse humilde, mandaria alguém entrevistar a gente e não errava tanto. Agora, na Globonews, ele falou certo sobre o Glauber cineasta. De resto, foi infeliz. No livro, ele disse que Glauber era batista. Glauber era presbiteriano! Cantava os hinos para a gente. Sempre falei que ele era um homem à procura de Deus.

Pinto de Aguiar
A troca de nomes afetou a compreensão de alguns fatos, a exemplo do apoio do editor Pinto de Aguiar à luta por dinheiro para a impressão da revista "Mapa". Fernando Rocha trabalhou com o dono da Editora Progresso, e não Fernando da Rocha Peres, que virou "Bananeira" na biografia (Pág. 155). O irmão de Fernando Rocha, Wilson, era casado com a filha de Pinto de Aguiar.

- Um dos absurdos do livros é eliminar da geração Mapa a figura do jornalista Fernando Rocha, erroneamente confundido com outro membro da geração, Fernando da Rocha Peres, considerado como Bananeira, quando este apelido muito conhecido por todos os integrantes da geração e pela Bahia em geral, pertence ao outro Fernando, simplesmente o Rocha e não o Rocha Peres. Esse é um dado irrelevante mas que compõe incomodamente o grande número de desacertos de Nelson Motta no seu Primavera do Dragão - lamenta Joca.

Em outro trecho, na página 212, a atriz Sonia Pereira, de Mandacaru Vermelho, é confundida com a escritora Sonia Coutinho. Motta pede desculpas pelo erro.

Glauber, "corno"
Os amigos de Glauber veem um enquadramento moralista na abordagem do fim do casamento do cineasta com a atriz Helena Ignez. Em dois momentos, o enfant terrible do Cinema Novo é chamado de "corno": "Encontrou em Saraceni, recém-chegado da Itália, o amigo e confidente para suas mágoas de amor e seu orgulho ferido. Helena o fizera um corno público em Salvador" (Pág. 255); (...) "Seria duro. Toda Salvador ali, sabendo do escândalo, olhando atravessado, debochando do corno" (Pág. 262).

Helena Ignez, que também diz não ter sido entrevistada, recebeu um exemplar enviado pela Objetiva, mas ainda não teve tempo de ler, pois está envolvida em uma nova peça. Entretanto, tomou conhecimento de algumas histórias e prefere citar o ex-marido Rogério Sganzerla: "Nem tudo é verdade".

Nas primeiras páginas, uma descrição das medidas do pintor Calasans Neto (vitimado por poliomielite) provocou risos nos protagonistas da Mapa: "Dono de uma gargalhada estrondosa e, asseguravam os amigos, de um pau enorme, Calá era a alegria dos almoços na pensão com suas piadas e safadezas".

- É um exemplo gritante da irresponsabilidade deste pseudoescritor: na página 49 do livro, ele exalta o "pau" de Calasans Neto como grande!... A não ser que ele tenha tido essa informação vinda da esposa de Calasans Neto - provoca Fernando Peres.

Anjo Azul
Outros detalhes de ambientação são questionados por contemporâneos de Glauber. No capítulo sobre a "Glamour Girl" Helena Ignez, Nelson Motta procura descrever o bar "existencialista" Anjo Azul, no Centro de Salvador. "Nas paredes, telas de Carlos Bastos e tapeçarias de Genaro de Carvalho" (...) "Naquela noite, no Anjo Azul, Helena comemorava com amigos a sua indicação para concorrer - vitória praticamente certa - ao título de 'Glamour Girl', quando foi abordada por Paulo Gil ao sair da pista de dança e se encaminhar para a mesa." (Pág. 125)

Os frequentadores do Anjo Azul não se lembram de nenhuma pista de dança. Às vezes, embalados por uma música de Billie Holiday, os casais se levantavam para dançar cheek to cheek. "Era tão apertado que a gente batia numa escultura de Mário Cravo", brinca Florisvaldo Mattos. E não havia "telas", mas um famoso mural modernista de Carlos Bastos, posteriormente destruído, sob protestos.

Contesta-se a afirmação de que Glauber, ainda secundarista, recebia seus amigos "completamente nu", "peladão", em seu quarto, na casa de sua família em Salvador (Pág.50). Este seria um hábito posterior à fase retratada no livro. "Isso é onda. Ele tinha irmã, tinha prima, como ele ia fazer isso?", desfaz Fernando Rocha.

Em 6 de novembro, a Bienal do Livro da Bahia deve acolher o lançamento da obra de Nelson Motta. Os membros da Mapa decidiram: não vão comparecer. O biógrafo João Carlos Teixeira Gomes recomenda uma nova edição (revisada).

- Não faço nenhuma restrição a fatos ligados à vida amorosa de Glauber, como o ciúme possessivo da sua personalidade, em relação a suas numerosas amadas, nem quero moralismo, porque nossa geração era muito liberada sexualmente e artisticamente. Queríamos o novo. Mas é óbvio que me incomodam distorções, simplesmente por não corresponderem à realidade da nossa trajetória coletiva. Aconselharia Nelson Motta, numa eventual segunda edição do seu livro, que corrigisse essas numerosas distorções com o mesmo entusiasmo com que ele se lançou a escrever apenas uma parte da vida de um criador tão inteiriço e indivisível como Glauber Rocha.

Motta defende a pertinência de seu trabalho e procura diminuir a importância dos amigos de Glauber:

- Acredito que são equívocos pontuais e irrelevantes para a narrativa da formação de um personagem extraordinário cercado por inúmeros pequenos e grandes amigos, conhecidos e colegas, que se confundem e se perdem ao longo da sua juventude povoada por uma multidão de personagens que, ao contrário de Glauber, se dissolveram no tempo.

O corte cronológico de Nelson Motta não é uma novidade editorial. Em 1995, Ayeska Paulafreitas e José Júlio Lobo lançaram "Glauber, a conquista de um sonho - Os anos verdes". Desta vez, assevera Peres, "Glauber é pintado na sua juventude com cores nada dignas e também a sua geração".

- Isto me parece indigno. Espero que estas minhas declarações e as de João Carlos Teixeira Gomes e Fernando Rocha não venham a favorecer a vendagem deste livro (A primavera do dragão) que nada acrescenta à história de um grupo, à biografia de Glauber e aos brios baianos. Este rapaz, felizmente, não nasceu na Bahia - mordisca o historiador e membro da Academia de Letras da Bahia, onde realizará a palestra: "Biografia: um gênero em questão", dissecando a obra de Motta.

Em "Glauber Rocha, esse vulcão", Joca evidencia as dificuldades para biografar o cineasta: "Ele tinha efetivamente, certas reações imprevisíveis, o que contribuiu para formar em torno dele um elenco de lendas perniciosas, que sufocavam o seu lado realmente importante e consequente - ou seja, o do intelectual e realizador cinematográfico. Se é verdade que um biógrafo não deve suprimir ao leitor a informação de tais fatos, também é verdade que deve usá-los dentro de rígidos limites éticos, não para favorecer a imagem do biografado, mas sim para não permitir que o secundário, numa personalidade, triunfe sobre o essencial da sua vida". E conclui: "Uma biografia não é um depósito de quinquilharias, insignificâncias e dados irrelevantes".

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Setaro's Blog: A miséria cultural baiana

Setaro's Blog: A miséria cultural baiana: Diz-se que a Bahia já teve seu Século de Péricles, uma alusão ao período efervescente que se situou nos anos 50 e na primeira metade dos 60,...

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Por um sentido arquitetônico de morar

Mais uma foto exclusiva que este blog dá em primeira mão da aguardada exposição Morar na Arte, de Ediane do Monte - veja detalhes no post abaixo.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

"Morar na Arte" - Exposição de Ediane do Monte


Ediane do Monte, já consagrada fotógrafa e artista plástica, com devaneios bissextos na poesia, está para inaugurar, na sexta vindoura, 21 de outubro, às 19 horas, no salão de festas do Edifício Eldorado, onde a artista se esconde dos males do mundo, isto quer dizer, mora no mesmo prédio, a exposição Morar na Arte composta de 17 fotografias impressas em papéis e totalmente dedicada aos moradores do edifício, que tem, em sua arquitetura, características especiais e assombra, por vezes, com suas linhas tortuosas. De arquitetura modernista, o Eldorado foi criado pelo arquiteto Eduardo Cerqueira Pinto, e inaugurado em 1955, um edifício especial para história da arquitetura. Quem perder a vernissage, pode visitar a exposição entre os dias 22 e 23 das 16 às 20 horas.
Contato: Ediane do Monte
Atelier Frida Kahlo II
Tel. 33322123 ou 82029821

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A justiça e o Sargento Garcia

FERNANDO DE BARROS E SILVA

FOLHA DE SP - 28/09/11

SÃO PAULO - "Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ, e o presidente do Supremo Tribunal Federal é paulista."

A corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, pôs os cinco dedos na ferida na entrevista que concedeu à APJ (Associação Paulista de Jornais). Sem a fala empolada característica do Judiciário, disse que a marcha em curso para reduzir as competências do CNJ, proibindo-o de investigar e punir magistrados antes que os próprios tribunais estaduais o façam, é "o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos escondidos atrás da toga".

Alguém dúvida que seja verdade?

O CNJ, no entanto, capitaneado pelo ministro Cezar Peluso, tomou a dianteira da reação corporativa à corregedora. Em nota oficial, disse que suas declarações "de forma generalizada ofendem a idoneidade e a dignidade de todos os magistrados e de todo o Poder Judiciário".

Onde estaria a "ofensa generalizada" ao Judiciário? Se digo que o jornalismo está "infiltrado de bandidos escondidos atrás da pena" não quero dizer com isso que todos os jornalistas -nem a maioria deles- sejam venais. Em vez de enfrentar um problema real, o CNJ endossa o teatro da dignidade abalada do Judiciário e faz o jogo do obscurantismo.

Além da corrupção, a Corregedoria do CNJ já identificou pelos Estados diversos problemas disciplinares e de gestão, casos de processos que mofam nas prateleiras, muitas vezes por inação deliberada do juiz.

O TJ-SP, de onde vem Peluso, é um conhecido templo do espírito corporativo mais arcaico e arraigado.

A decisão que o STF tomará a respeito das atribuições do CNJ pode representar um grande retrocesso institucional. Apostar na ação das Corregedorias locais é como acreditar na eficiência do sargento Garcia.

domingo, 25 de setembro de 2011

Estádios ou hospitais?

 

CARLOS CHAGAS (Tribuna da Imprensa)

Com 513 deputados, fica impossível acompanhar sistematicamente a atuação de cada um. Na Câmara tem gente boa, que fala com bom-senso e nós nem percebemos. O noticiário concentra-se nos dirigentes partidários e naqueles parlamentares de muitos mandatos, nem sempre merecedores das atenções a eles dedicadas.

Para compensar a massificação que atinge a maioria, desde 1946 encontrou-se uma solução, mesmo imperfeita. Afinal, para discursar com densidade e tempo, os deputados precisam inscrever-se semanas, senão meses antes. Ainda assim, dependem da boa vontade dos líderes. Criou-se então, antes do início das sessões, um período chamado de pinga-fogo, onde cada orador dispõe de apenas três minutos para expor sua opinião sobre qualquer assunto. Basta chegar, dar o nome e falar.

Nessas ocasiões, é frequente a exposição de abobrinhas, meros recados regionais ou conceitos incompletos. De vez em quando, porém, surgem surpresas capazes de conduzir o orador à admiração geral.

Foi o caso, na semana que passou, precisamente na quinta-feira, do jovem deputado Regufe, eleito pelo Distrito Federal. Em três minutos ele conseguiu resumir a perplexidade que atinge o país inteiro, mas que todos ocultamos matreiramente.

Referiu-se ao fato de que em pelo menos dez capitais estaduais estão sendo erigidos ou remodelados monumentais estádios de futebol, visando a realização da Copa do Mundo de 2014. Nada a opor à realização do certame e aos esforços para abrilhantá-lo, não fossem os números. Cada estádio, entre os novos e os recondicionados, custa no mínimo um bilhão de reais. Alguns, até, muito mais. Servirão para que as maiores equipes mundiais se apresentem, concentrando no Brasil as atenções do planeta.

O problema, disse Regufe, é que um hospital de porte amplo, num país com tamanho déficit na saúde pública, custa em média 100 milhões de reais. Tivesse a opção nacional, mais do que a governamental, optado por hospitais em vez de estádios, com os recursos hoje dispendidos seria possível construirmos nada menos do que 100 unidades hospitalares públicas. Imagine-se o que isso representaria para minorar as agruras da maioria da população exposta a filas, atrasos, mau ou nenhum atendimento.

Dá o que pensar, a conta apresentada pelo jovem representante do PDT. A FIFA e os barões do futebol iriam estrilar, mas suas exigências valeriam mais do que uma completa reviravolta nas estruturas da saúde pública? Tudo foi dito em três minutos, mas estamos perdendo três décadas, com a opção pelos estádios. Até porque, os hospitais funcionariam 24 horas por dia e os estádios, no máximo nos fins de semana.

POBRE PROFESSOR LIPMANN
No começo do século passado havia na Sorbonne, em Paris, um monumental catedrático de Física, mestre dos mestres, o professor Lipmann. A ele cabia, todos os anos, dar a aula inaugural para os jovens estudantes da matéria . Sem meias palavras, dirigia-se aos alunos enfatizando ter pena deles. Dó. Comiseração. Humilhava a todos indagando porque tinham escolhido estudar Física, porque a Física já estava pronta, arrumada, acabada e empacotada. Nada haveria mais a pesquisar e a descobrir.

Pobre professor Lipmann, que felizmente para ele morreu antes de saber da existência de Einstein, da Física Quântica, da Partícula de Deus e de tanta coisa a mais, descoberta e por descobrir.

Passa-se coisa parecida no PT, mesmo a gente resistindo à tentação de fulanizar o seu professor Lipmann. Entendem os atuais dirigentes do partido que nada mais existe para desenvolverem. Já chegaram ao poder, nele se instalaram e agora a palavra de ordem é conduzir o governo de acordo com suas concepções. Imobilizaram-se. E até aproveitam das benesses inerentes a quem conduz o processo político.

Jovens que se interessam em ingressar no PT são recebidos com a mesma arrogância e petulância do francês catedrático de Física. O partido está pronto, arrumado, acabado e empacotado. Não há mais metas a alcançar nem programas a engendrar. Muito menos uma sociedade a modificar. Seria bom que os companheiros seguidores do professor Lipmann tomassem cuidado. As próximas eleições poderão revelar novidades e descobertas profundas, no âmbito do partido.

À ESPERA DAS MEDIDAS
Declarou a presidente Dilma Rousseff estar o governo pronto para tomar medidas capazes de atenuar o impacto da crise econômica. Como nas Nações Unidas ela havia criticado as teorias defasadas que o mundo velho vem aplicando para enfrentar as dificuldades, devemos partir da premissa de não termos aumento de impostos, redução de salários e aposentadorias, demissões em massa e cortes dos investimentos sociais. Apesar de serem encontrados no governo alguns defensores de uma ou de todas essas maldades, basta a palavra da presidente para a certeza de estarem afastadas.

Fica, no entanto, uma dúvida: a que medidas Dilma estaria se referindo, se as coisas ficarem ainda mais complicadas? Aumento de impostos só para os mais ricos? Congelamento dos salários? Nivelamento por baixo das aposentadorias? Frentes de trabalho para compensar demissões? Interrupção, mesmo sem recuos, das políticas públicas voltadas para a educação, a saúde e a segurança?

LIÇÕES DE ITAMAR
Foi emocionante, no programa de propaganda partidária gratuita do PPS, quinta-feira, assistir o saudoso presidente Itamar Franco apresentar um dos mais perfeitos diagnósticos da realidade brasileira. A gravação da entrevista que ele havia concedido pouco antes de morrer foi mostrada em pílulas, assunto por assunto. Para muita gente não ficou pedra sobre pedra, apesar do tom conciliador com que abordou cada um dos graves problemas nacionais. Congresso, partidos, eleições, governo, políticas sociais, seriedade no trato da coisa pública, intolerância diante da corrupção – tratou-se de uma lição inesquecível. Pena que não se façam mais políticos como Itamar.

sábado, 10 de setembro de 2011

Vincente Minnelli: o cineasta do bom gosto

O cinema de Vincente Minnelli é pautado pelo bom gosto. Bom gosto na escolha do elenco, no equilíbrio das cores, na composição dos quadros, na construção dos cenários. O que não significa que ele tenha sempre investido em terreno seguro ou trilhado caminhos que facilmente conduziriam à beleza. O aprendizado do bom gosto, para ele, foi fruto de uma inusitada combinação de referências heterogêneas. A educação estética de Minnelli passou tanto pelo estudo dos clássicos e pela admiração dos quadros dos maiores coloristas da história da pintura quanto pela experiência profissional em espetáculos da Broadway, números de music-hall e outras modalidades de diversão popular. O diretor de Agora Seremos Felizes soube, como poucos, unir comércio e arte, nutrir o mundo do espetáculo de fontes eruditas (Flaubert, Goethe), misturar Broadway e Shakespeare, ser tanto um decorador de vitrine quanto um esteta experimental, anular a separação entre cinema de gênero e cinema de autor, tornar inútil a hierarquia entre grandes e pequenos temas, alta e baixa cultura.

Minnelli, a priori, não distingue entre um assunto nobre e um assunto menor. Qualquer coisa lhe parece digna da mais alta representação artística. Ele não necessariamente dá ao público dito intelectual um tema rico e profundo para refletir após a sessão (embora filmes como Paixões sem Freios e Papai Precisa Casar possam render conversas densas e intermináveis). Se muita gente relutou em considerá-lo um grande cineasta e não apenas um embelezador de espaços, foi porque se prendeu a um caduco pressuposto de que a grande arte só se faz a partir de um grande assunto. Ora, isso relegaria a um segundo plano uma parcela considerável das obras-primas da pintura. As maçãs de Cézanne ou as bailarinas de Degas não são geniais porque representam maçãs ou bailarinas, mas antes por conta do traço peculiar que as vivifica na tela. As botas de um camponês, num quadro de Van Gogh, condensam um mundo. O que dá o tamanho de uma obra é menos o objeto escolhido pelo artista do que a forma como ele o representa. Os filmes de Minnelli, assim como as pinturas de Van Gogh, só fazem sentido pela cor, pela composição, pela textura dos materiais, pelo arranjo dos corpos e dos elementos plásticos no interior do quadro. O “touch” minnelliano é o motivo pelo qual vemos seus filmes. Se todo grande autor possui um tema recorrente, que ele explora sistematicamente no decorrer de sua obra, o de Minnelli foi a própria função da arte – e, mais especificamente, do cinema – enquanto transformação estética do mundo. Algo que ele deixa bastante claro em seus dois filmes plantados no universo do cinema: Assim Estava Escrito (1952) e A Cidade dos Desiludidos (1962). Neste último, que é certamente o precursor imediato de O Desprezo (Godard, 1963), Minnelli enfatiza alguns detalhes que, no set de filmagem, são responsáveis pelo sentido geral da obra. Uma mudança de ângulo da câmera, um objeto acrescido ou subtraído ao quadro, e a cena será outra – para melhor ou pior.

Os dois gêneros que mais marcaram a carreira de Vincente Minnelli, musical e melodrama, definem as duas características principais de sua obra: diversão e emoção. Assistir a seus filmes é entrar em contato direto com as forças que fizeram o cinema ser o grande espetáculo de massa do século XX; é reviver o encantamento primordial do cinema. Os sonhos e as lutas de seus personagens se manifestam na tela com toda a energia necessária para embalar os espectadores nesses sonhos ou engajá-los nessas lutas. A melodia de uma canção, o movimento de uma dança, a explosão de um drama individual ou mesmo a vibração de uma determinada cor podem levar o espectador ao êxtase ou às lágrimas em questão de segundos. No universo minnelliano, tudo é muito intenso.

A lógica dos filmes de Minnelli se resume na relação do personagem com a cenografia. No começo de A Roda da Fortuna (1953), Fred Astaire desce do trem em Nova Iorque e encontra uma realidade confusa, barulhenta, incompreensível. Mas basta que ele comece a cantar e dançar para que tudo se harmonize. O cenário com que seu corpo estava em conflito agora acolhe seus movimentos. As pessoas que esbarravam nele de maneira incômoda agora participam de uma coreografia coletiva. Os ruídos das máquinas se organizam em melodia. O personagem se entende com o ambiente. É por essa relação positiva do personagem com o cenário que se define o musical minnelliano.

Em Paixões sem Freios (1955), a história é outra. O jovem pintor atormentado, que se recupera numa clínica de tratamento psiquiátrico, vê a chance de fazer algo que pode deixá-lo feliz: os médicos sugerem que ele pinte as novas cortinas que serão confeccionadas para a biblioteca. O rapaz se anima com a perspectiva de deixar sua marca pessoal na cenografia da clínica. Uma disputa interna, contudo, coloca em xeque a troca das cortinas. Diante da possibilidade de não poder mais dar vazão a seu imaginário, de não poder expandir ao espaço as imagens que se agitam em sua mente, o jovem pintor entra em crise e foge da clínica, causando um enorme rebuliço na vida de todos. O que ele queria era exatamente o que Fred Astaire havia feito em A Roda da Fortuna: mudar o cenário a seu favor. Quando essa mudança se mostra impossível, o personagem se desestabiliza. O melodrama narra a tristeza que se apossa do homem quando a imaginação artística não consegue mais transformar a realidade. Sede de Viver (1956), um dos projetos mais pessoais da carreira de Minnelli, aborda justamente a figura do artista (Van Gogh, no caso) confrontado a um mundo exterior que lhe é, na maior parte do tempo, hostil.

Alternando musicais e melodramas, Minnelli se dedicou às relações entre o peso da realidade e a potência do sonho (sem que uma coisa necessariamente se oponha à outra, pois, em seus filmes, realidade e sonho se comunicam, se nutrem reciprocamente), e demonstrou uma necessidade de representar o andamento desigual da vida, os contrastes que fundam nossa existência. Para conhecer a felicidade, é preciso já ter vivido a tristeza. E vice-versa.

Há tempos o cinéfilo brasileiro não tem a oportunidade de ver Minnelli numa sala de cinema. Com a presente mostra, poderemos redescobrir o charme e a beleza inconfundíveis de seus filmes. Redescobrir Minnelli nada mais é que reencontrar a paixão pelo cinema em estado puro.

Luiz Carlos Oliveira Jr.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O tiro no pé do guerrilheiro de araque

AUGUSTO NUNES (Veja)

Transformar um quarto de hotel em aparelho clandestino é sinal de pouca inteligência. Transformar um endereço no centro de Brasília em esconderijo para tramoias políticas e/ou comerciais envolvendo figurões do governo e do Congresso é prova de indigência mental. Fazer essas coisas simultaneamente só pode ser coisa do companheiro José Dirceu. Como comprova a reportagem de capa da edição de VEJA, ele nunca perde a chance de engrossar a colossal coleção de ideias de jerico inaugurada já nos tempos de líder estudantil.

Em 1968, Dirceu conseguiu namorar a única espiã da ditadura militar. Se quisesse prendê-lo, a polícia poderia dispensar-se arrombar a porta: Heloísa Helena, a “Maçã Dourada”, faria a gentileza de abri-la. Ainda convalescia do fiasco amoroso quando resolveu que o congresso clandestino da UNE, com mais de mil participantes, seria realizado em Ibiúna, com menos de 10.000 moradores. Até os cegos do lugarejo enxergaram a procissão de forasteiros.

No primeiro dia, mandou encomendar 1.200 pães por manhã ao padeiro que nunca passara dos 300 por dia. O comerciante procurou o delegado, o doutor ligou para a Polícia Militar e a turma toda acabou na cadeia. Ninguém reclamou: enquanto o congresso durou, todos haviam tentado dormir sob a chuva por falta de tetos suficientes. Incluído no grupo dos resgatados pelos sequestradores do embaixador americano, Dirceu avisou que lutaria de armas na mão contra a ditadura e foi descansar na França.

O lutador exilado empunhou taças de vinho num bistrô em Paris até trocar a Rive Gauche pelo cursinho de guerrilheiro em Cuba. Com o codinome Daniel, aprendeu a fazer barulho com fuzis de segunda mão e balas de festim, submeteu-se a uma cirurgia para deixar o nariz adunco, declarou-se pronto para derrubar a bala o regime militar e, na primeira metade dos anos 70, voltou ao Brasil. Percebeu que a coisa andava feia assim que cruzou a fronteira e, em vez de trocar chumbo no campo, foi trocar alianças na cidade.

Fantasiado de Carlos Henrique Gouveia de Mello, negociante de gado, baixou em Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná, casou-se com a dona da melhor butique do lugar e entrincheirou-se balcão do Magazine do Homem, de onde só saía para dar pancadas em bolas de sinuca no bar da esquina. Em 1979, quando a anistia foi decretada, Carlos Henrique, apelidado de “Pedro Caroço” pelos parceiros de botequim, abandonou a frente de combate municipal, o filho de cinco anos e a mulher, que só então descobriu que vivera ao lado do revolucionário comunista menos belicoso de todos os tempos.

Livre de perigos, afilou o nariz com outra cirurgia plástica, ajudou a fundar o PT e não demorou a virar dirigente. Ao tornar-se presidente, escolheu Delúbio Soares para cuidar da tesouraria. Depois da campanha vitoriosa de Lula, não se contentou com a chefia da Casa Civil: promoveu-se a superministro e monitorou o preenchimento dos milhares de cargos de confiança.

Nomeado capitão do time do Planalto, mandou e desmandou até a explosão do escândalo protagonizado por Valdomiro Diniz, o amigo vigarista com quem dividira um apartamento em Brasília. E então o país descobriu que o herói de Passa Quatro transformara um extorsionário trapalhão em Assessor para Assuntos Parlamentares. Atirado à planície pelo escândalo do mensalão, conseguiu ser cassado por uma Câmara dos Deputados que não pune sequer os integrantes da bancada do PCC.

Sem mandato, com os direitos políticos suspensos e desempregado, descobriu que estava pronto para prosperar com o tráfico de influência. Desde 2005 junta dinheiro como facilitador de negócios feitos por capitalistas selvagens. E hoje é chamado de Jay Dee por patrões que, na hora de tratar os detalhes do acerto, mandam a criançada sair da sala e vão à janela para saber se algum camburão estacionou por perto.

Quem se dedica a tal ofício tem de ser discreto. Dirceu acha possível seguir embolsando boladas de bom tamanho como “consultor” sem abandonar a discurseira contra a elite golpista e a mídia reacionária, sem renunciar à luta pelo controle do PT, sem arquivar a saudade dos tempos de primeiro-ministro, sem despir o uniforme de guerrilheiro de araque. A reportagem de VEJA contou a última dessa flor de esquizofrenia. Logo será a penúltima.

No momento, Dirceu jura que houve uma tentativa de invasão do aparelho clandestino montado em Brasília. Ele também vive jurando que o mensalão não existiu. “Tenho uma biografia a preservar”, recitou mais uma vez o chefe do que o procurador-geral da República qualificou de “organização criminosa sofisticada”. Aos 65 anos, enquanto o Brasil decente espera que o Supremo Tribunal Federal cumpra o seu dever, o que tem José Dirceu é um prontuário a esconder.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

"A árvore da vida" - por Inácio Araújo


POR INÁCIO ARAÚJO

Um aspecto de “A Árvore da Vida” que chama vivamente a atenção é o tipo de cenografia escolhida.

Na parte antiga, anos 50, é exemplar a organização, desde as ruas, com sua simetria, seus terrenos uniformes como as casas, bem como a decoração da casa, também uniforme em sua modernidade. Isso não se transforma quando chegamos aos anos 2000, embora o cenário se transforme de forma radical, passando aos grandes arranha-céus.

Em ambos existe uma organização racional, ou uma tentativa racional de intervenção do homem no mundo: acomodar da melhor maneira possível as famílias, os seres, os desejos.

Em oposição, existe o mundo, ou antes, o caos do mundo, que se manifestará na tristeza do filho, na frustração do pai, no desencanto da mãe.

O homem põe e o mundo dispõe, em suma.

Pois este é, em grande medida, um filme sobre a arte. Sobre a tentativa humana de superar o caos do mundo, de dar-lhe forma, de submetê-lo pela forma.

Forma que pode ser arquitetônica ou musical, tanto faz.

Tenho a impressão de que existe um equívoco na suposição de que, por evocar o princípio dos tempos, o filme tenha implicado algum tipo de busca religiosa. O início dos tempos, assim como a saída dos seres da água designa, antes, a universalidade do tema: o esmagamento do filho pelo pai. E, depois, o desejo do filho de ver o pai morto. O Édipo, em suma. A acreditar em Ferenczi, a oposição ao pai viria das águas. As águas representam uma memória do ventre materno, da existência intra-uterina, segura e garantida contra todo mal, ali onde o feto é completamente feliz.

A forma é a grande, terrível luta do artista, primeiro, mas do homem em geral. Dar forma a um mundo infinitamente caótico. E, quando chega à forma, ela lhe escapa, obriga-o a uma nova operação, a um novo entendimento do mundo.

Talvez isso surja com clareza não apenas na figura do pai, incerto entre a música e a engenharia, a forma abstrata da música e essa outra, arquiconcreta, da produção para o mundo. E ainda dessas formas, não mais paradoxais, mas francamente contraditórias, do órgão, instrumento que lembra a religião, é certo, mas sobretudo esse tempo eterno a que aspira a convicção religiosa, em contraste com a afirmação de precariedade, de efêmero, do design moderno.

“A Árvore da Vida”, filme realmente raro, tem esses dois ramos: a percepção daquilo que é permanência na aventura do homem na Terra, aquilo que se repete de geração em geração, mas também a perpétua transformação das coisas, como uma árvore.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Clipping de André Setaro: Direito ao Cinema

Clipping de André Setaro: Direito ao Cinema

Direito ao Cinema


Godard falsifica a si mesmo

Pedro do Coutto

Numa ao mesmo tempo confusa e fascinante entrevista a Fiachra Gibbons, do jornal inglês The Guardian, tradição do Clara Allain, publicada na Folha de São Paulo, o diretor Jean-Luc Godard vice excentricamente um personagem – mais um – que criou para si próprio e afirma, numa batida wildeana, que o autor morreu e o cinema acabou. Quis criar, como tantos intelectuais, uma situação de choque pela surpresa e pela sensação que tenta transmitir de falsa certeza.
Se a lógica comum busca sempre a exatidão de uma ideia em tudo o que se desenrola, ele faz exatamente o contrário: rompe com os símbolos da compreensão. No fundo faz gênero, mas nem por isso deixa de ser um cineasta importante e um produtor de enigmas.
Exceto o grande “Acossado”, está aí sua filmografia para comprovar. “Alphaville” um exemplo, “Pierrot Le Fou”, que Fiachra se esqueceu de relacionar entre suas obras, outro. Entretanto, afinal de contas, na entrevista Godard atingiu plenamente seu objetivo.
Confundir e difundir sua imagem de intelectual hermético. Porém contraditório. Pois se de um lado sustenta que o autor acabou, de outro ele afirma que, com o celular, qualquer um torna-se um autor. E se torna. Produzindo o quê? O cinema, acrescenta, que linhas antes havia dito ter chegado ao fim.
Não chegou. Nem chegará. O cinema e todas as artes são imortais. Sem arte não há vida inteligente e criativa, pois a arte será eternamente uma ruptura a partir e através da dúvida. E, sem dúvida, o tempo não progride, a cultura, seja artística ou científica, não avança. Se em 1610, Galileu não tivesse ousado afirmar que a Terra era redonda, a humanidade não teria dado o salto que deu. Se Einstein não houvesse discordado da lei de Newton, não teria chegado à relatividade em 1905. Einstein tinha apenas 25 anos. Orson Welles revolucionou a técnica e a arte do cinema aos 26 anos, em 1941. Com o Cidadão Kane.
Mas nem por isso o cinema parou, a arte cessou, a criatividade ficou contida no passado. Ao contrário. A busca não cesse. Não é verdadeira a afirmação atribuída ao crítico Moniz Viana, que brilhou nas páginas do Correio da Manhã, tempos idos, de que todos os grandes filmes já foram feitos. Teria dito isso por volta de 1968 quando do Festival Internacional do Rio de Janeiro promovido pelo Museu de Arte Moderna. Nada disso. Apareceram tantas grandes obras depois. Fale Com Ela, de Almodovar, filme belíssimo, basta este para desmontar e desmistificar a tese.
Afirmar que todas as grandes obras já foram feitas significa uma atitude limite de conformismo, um meio falso de justificar que paramos no passado e desistimos de seguir em frente. Uma renúncia à vibração que realimenta a existência. Pode-se sustentar, é claro, que existem obras antigas inultrapassáveis, como Sartre se referia ao marxismo. Michelangelo, Leonardo Da Vinci, Shakespeare, Wagner, Chopin, James Joyce, Proust, Chaplin, mas todas estas – e outras – não são temporais, são eternas. Na verdade, elas não foram feitas, estão sendo feitas novamente, estão surgindo todos os dias, na medida em que centenas de milhares de seres humanos, das gerações que se sucedem, as descobrem. Ou citam seus autores como velhos amigos conhecidos.
Escrevendo ou falando sobre tais gênios, e tais obras, nós, de alguma forma testemunhas tocamos pelo menos levemente o universo mágico que produziram e deixaram como legado democrático porque aberto a todos.
É  isso. Esta me parece ser a melhor visão da eternidade, da arte. Não a visão de Godard ou a que passa através de suas lentes. E quando disse que ele assumia uma batida wildeana me referi apenas ao ângulo de chocar ironicamente, uma das faces do autor de O Retrato de Dorian Gray. Seu estilo. Jean Luc Godard escolheu o espelho da excentricidade para tentar fotografar a si mesmo. Não conseguiu. Mas agitou a cultura.

domingo, 17 de julho de 2011

A escrita de um homem vulnerável


FRANCISCO QUINTEIRO PIRES - NOVA YORK
Movido pelo desejo de simplicidade, Ernest Hemingway (1899- 1961) saiu de Paris para presenciar uma tourada em Pamplona, na Espanha. O ano era 1923. Ele queria ver sangue correndo e assim aprender a ser um escritor mais consciente do seu ofício. "Uma das coisas mais simples e fundamentais é a morte violenta", declarou o ficcionista americano, consagrado nas décadas seguintes como praticante da prosa enxuta. Imaginava ele ser o duelo fatal entre touro e toureiro o momento ideal para ter uma perspectiva do mundo inteiro em um só lance - a escrita era para ele exercício de condensação. Depois da visita a Plaza de Toros, Hemingway se tornou um amante das touradas. E reforçou a fama de machão, inseparável da lenda do escritor que acumulou sucesso e orgias alcoólicas.
Reprodução
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Letra por letra. Ernest Hemingway
Essa reputação pode mudar em outubro com o lançamento de The Letters of Ernest Hemingway - Volume 1, 1907-1922. Desenvolvido desde 2002 na Pennsylvania State University, o Hemingway Letters Project encontrou, catalogou e compilou mais de 6 mil cartas do escritor que se matou há 50 anos com um tiro na testa disparado por sua arma preferida. Coordenado pela professora Sandra Spanier, o projeto resultará em 18 volumes de correspondências a ser publicados em ordem cronológica nos próximos 15 anos. Cada tomo tem a previsão de conter de 500 a 700 missivas.
"O primeiro desafio foi localizar as cartas. Hemingway não mantinha cópias, por isso trabalhamos como detetives para chegar às correspondências enviadas para familiares, amigos e colegas ao redor do mundo", diz Sandra em entrevista ao Sabático. A maioria das epístolas, mais de 3 mil, veio da Hemingway Collection da John F. Kennedy Presidential Library, em Boston, e de 75 bibliotecas espalhadas pelo mundo. Cerca de 400 foram obtidas de colecionadores privados. Mais de 100 missivas trocadas com a família foram cedidas em 2008 pelo sobrinho de Hemingway, filho de sua irmã preferida, Madelaine, a Sunny. O restante estava entre os papéis pesquisados por Sandra em Finca Vigía, casa em Cuba onde Hemingway morou de 1939 a 1960.
Em 2001, a professora da Penn State University se tornou a primeira entre os especialistas norte-americanos a acessar os arquivos da casa, que escondiam cadernos de anotações, fragmentos de rascunhos, revisões de livros manuscritos, receitas culinárias, além de um epílogo rejeitado do romance Por Quem Os Sinos Dobram. Hemingway era um literomaníaco. Escrevia em todo lugar, das margens dos livros às paredes da casa.
Esse material foi o que sobrou da meia tonelada de papéis removida de Finca Vigía após o suicídio ocorrido em Ketchum, no Estado de Idaho, em 2 de julho de 1961. A publicação dos volumes tem potencial de explicar melhor o lugar de Hemingway na cultura cubana e sua relação com os cubanos, aos quais doou a medalha do Prêmio Nobel de 1954. Os tomos também são fonte indispensável para a restauração da casa de Finca Vigía, transformada em museu e uma das atrações turísticas mais famosas de Cuba, pois Hemingway anotou em correspondências as reformas pelas quais o imóvel passou.
Segundo Sandra, 85% das 6 mil cartas até agora descobertas pelo projeto nunca foram publicados. Elas escondem um homem de várias facetas, reduzidas ao longo dos anos à imagem unidimensional do correspondente de guerra; do sobrevivente de duas quedas de avião; do boêmio inveterado; do caçador viril; do apreciador da luta do homem contra o semelhante e contra as forças da natureza. "Hemingway era mais complexo, sensível e interessante do que a sua persona pública costuma sugerir. As cartas apresentam um homem real, em contraste com o mito." O primeiro volume inicia-se com revelações sobre a infância e juventude de Hemingway em Oak Park, região de brancos protestantes perto de Chicago, em Illinois.
"Hemingway deixa transparecer vulnerabilidade e sensibilidade nas relações amorosas, além de afeição e cuidado genuínos pelos pais e irmãos", diz Sandra. "Agora temos um entendimento mais rico e completo das relações dele com os pais, os cinco irmãos, as quatro esposas e os três filhos. Ele nutriu o desejo de ser um bom filho e um bom irmão." As cartas escritas entre 1907 e 1922 contradizem a imagem de Hemingway como alguém afastado da família, apesar do desentendimento posterior com os progenitores que rejeitaram os seus romances, por considerá-los vulgares. Hemingway escreveu sobre o primeiro divórcio e o affair com Pauline Pfeiffer, que seria a sua segunda esposa, mesmo sabendo que essas revelações desagradariam aos pais conservadores. O escritor não se escondeu nas correspondências. Preferiu a honestidade cortante, por vezes selvagem. Chegou a rogar por fofocas familiares, ao se corresponder com a irmã Madelaine, que em 1975 publicou o livro Ernie: Hemingway’s Sister Sunny Remembers. "Deixe escorregar até mim a sujeira em toda a sua totalidade", pediu como resposta.
Esse desejo genuíno de saber é um dos valores literários mais caros a Hemingway. Um escritor deve viver antes de escrever: o corpo testemunha primeiro o que é elaborado posteriormente pela imaginação. Para ele, a ficção será verdadeira na proporção do conhecimento ou da consciência do ficcionista sobre a vida. Não por acaso, seus livros mais importantes, O Sol Também se Levanta (1926), Adeus às Armas (1929), Por Quem Os Sinos Dobram (1940) e O Velho e o Mar (1952), todos publicados no País pela Bertrand Brasil, nascem de experiências pessoais. Outra fonte fundamental para o desenvolvimento do talento ficcional foram as leituras incessantes, segundo Sandra. "As cartas mostram desde cedo a seriedade de Hemingway com a vontade de ser escritor - existe uma devoção a esse ofício", ela diz. "Descobrimos como ele era erudito, apesar de não ter ingressado na universidade. Ele era um autodidata insaciável."
Além da devoção aos familiares, o volume 1 registra os primeiros passos como jornalista do Kansas City Star, entre 1917 e 1918. Apresenta os traumas e aprendizados do voluntariado como motorista de ambulância na Itália durante a 1.ª Guerra Mundial, além da paixão por uma enfermeira em um hospital de Milão, onde se recuperava de ferimentos nas pernas causados por uma explosão. Dessa experiência resultou o romance Adeus às Armas. Em seguida veio o retorno aos Estados Unidos.
Dois anos depois, casou-se com Hadley Richardson, primeira esposa, mudando-se para a França. Em 1922, ele passou a integrar a comunidade literária expatriada de Paris, travando contato com Gertrude Stein, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, Ford Madox Ford, John dos Passos, além de Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company. A passagem pela cidade luz está registrada em Paris É Uma Festa (Bertrand Brasil), livro de memórias publicado postumamente, em 1964.
Previsto para ser lançado em 2012, o volume 2 reunirá correspondências escritas entre 1923 e 1925, quando o escritor se estabeleceu na cena literária parisiense e começou a publicar os seus romances. Assim como o primeiro, o segundo tomo terá anotações sobre cada carta, explicando as referências a lugares, pessoas e eventos relacionados à vida do Papa, apelido pelo qual gostava de ser chamado.
Sandra cita como preferida a epístola escrita em 14 de fevereiro de 1922 e endereçada à mãe, Grace Hall Hemingway, na qual o ficcionista relata o fascínio pela vida parisiense. "Ele era um jovem do meio-oeste americano perturbado com as paisagens e experiências oferecidas pela capital da França", diz Sandra. Nessa carta, escreveu: "Paris é tão bonita que satisfaz algo em você que os EUA deixam sempre com fome." Afirmou ser Gertrude Stein "entusiasta da sua poesia". Contou ter tomado chá com Ezra Pound, que lhe "pediu um artigo sobre a literatura contemporânea nos EUA". Segundo Sandra, as cartas mostram "Hemingway se tornando Hemingway" e desvendam segredos bem guardados de "um prosador revolucionário que narrou a história do século 20".

Romance revisita o amor constante do ficcionista por ParisErnest Hemingway se transformou drasticamente depois de morar na Paris dos 1920. Esse período, que ele registrou em Paris É Uma Festa (1964), figura como mote de um livro recém-publicado nos Estados Unidos, com boa performance nas livrarias. Trata-se deParis Wife (Ballantine Books, 336 págs., US$ 25), de Paula McLain. Esta semana, a obra aparecia em 14º lugar entre os mais vendidos de ficção segundo o jornal The New York Times. O romance tem como narradora Hadley Richardson, a primeira esposa de Hemingway. Ela era uma mulher pacata, de 28 anos, que morava em Chicago antes de conhecer o aspirante a escritor, sete anos mais jovem. A personagem conta as dificuldades e os prazeres do casal em Paris. A esperança de uma vida familiar tradicional se mostrou impossível. O autor de O Velho e o Mar casou com quatro mulheres diferentes, mas teve apenas um amor constante - Paris. / F.Q.P.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Aécio e Kassab: duas xeroxs


Sebastião Nery
BELO HORIZONTE – A historia de Juscelino foi uma guerra, naquela Minas plácida e sonolenta do século passado. Nascido em Diamantina em 12 de setembro de 1902, filho de caixeiro-viajante e professora, órfão de pai tuberculoso ainda criança, seminarista, telegrafista, estudante de medicina, em abril de 1930 ganhou bolsa e foi para Paris.
Voltou no fim de 30, abriu consultório em Belo Horizonte, entrou para a Policia Militar como medico e participou da “revolução de 32” contra os paulistas, ao lado de Benedito Valadares, depois nomeado por Getulio interventor. JK foi ser chefe de gabinete e não saiu mais da política.
Em outubro de 34, deputado federal mais votado de Minas. Golpe em 37, volta à medicina. Em abril de 40, prefeito de Belo Horizonte.
***
JUSCELINO
Em dezembro de 45, novamente o mais votado do Estado para a Constituinte de 46. A UDN esperava que Pedro Aleixo, presidente do partido, fosse o deputado mais votado na capital. Ou Milton Campos. Foi Getulio : 12.208 votos. Segundo, Juscelino : 7.024 votos. Terceiro, Milton Campos : 4.134. JK era o segundo depois de Getulio. Luz e maldição.
Herdeiro eleitoral evidente de Vargas (João Goulart ainda estava no Rio Grande), Juscelino atraiu contra ele toda a fúria da UDN, que então comandava a maioria da imprensa nacional. Não era só Carlos Lacerda na “Tribuna da Imprensa”. Era o “Diario de Noticias” dos Dantas, “O Globo” dos Marinho, o “Estado de S. Paulo” dos Mesquita.
Ganhando o governo de Minas com Milton Campos em 47 contra Bias Fortes, do PSD,a UDN mineira começou cedo a guerra de 50, quando sabia que Getulio seria candidato imbatível a presidente e JK a governador. Lançou Gabriel Passos, concunhado de JK, casado com uma irmã de dona Sarah, e tentou ajudar o melancia Carlos Luz, metade PSD metade UDN, a ser o candidato do PSD. Juscelino venceu a convenção e a eleição.
***
UDN E PSDA batalha final foi transferida para 55. Juscelino já assumiu o governo do Estado em 50 candidato a presidente em 55. Getulio se matou,
Café Filho assumiu, a UDN tomou conta do governo, Lacerda dava as ordens. Nereu Ramos, presidente da Camara dos Deputados, propôs a Juscelino uma reunião do PSD no Rio. Lá estava o presidente do partido, Amaral Peixoto, e, entre outros, o governador de Pernambuco, Etelvino Lins, do PSD, mas corpo e alma de udenista. Etelvino propôs o adiamento das eleições de 3 de outubro para o Senado, a Camara e as Assembléias.
Alegava que, depois do suicídio de Vargas, o PTB teria uma votação em massa, que irritaria os militares. Com Etelvino, concordaram Nereu, Benedito Valadares, presidente do PSD de Minas, Lucas Nogueira Garcez, governador de São Paulo, outros. Era a tese de Lacerda, da UDN e de Raul Pila, do PL. Juscelino viu o ovo da serpente e vetou :
- “Como governador de Minas, lançarei mão de todo o poder que me confere o cargo para impedir que o calendário eleitoral seja alterado”.
Recuaram. Houve as eleições e nada aconteceu do que diziam : o PSD tinha 112 deputados passou para 114. A UDN com 84 caiu para 74. O PTB com 51 subiu para 56.E Jango perdeu o Senado no Rio Grande do Sul.
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BENEDITOMas era preciso saltar primeiro os obstáculos de Minas. Benedito Valadares, chefe do PSD de Minas, morria de medo dos militares e não queria Juscelino de jeito nenhum. E JK dependia de ser aprovado primeiro pela Executiva Estadual. Depois de tensas horas trancados numa reunião dramática até a madrugada, ainda me lembro da cara emburrada, de boi chuchado, de Benedito, cabeça baixa, humilhado, pálido, saindo lá de dentro derrotado, pela primeira vez, no partido. Por um voto.
Afinal, em 10 de fevereiro de 55, dos 1.925 delegados da convenção nacional, 1.646 aprovaram a candidatura de JK. Contra, unânimes, os diretórios de Pernambuco (Etelvino), Santa Catarina (Nereu), Rio Grande do Sul (Perachi Barcellos), 160 da Bahia (Antonio Balbino), e 26 do Rio.
Em 27 de janeiro, a “Voz do Brasil” divulgou documento em que “militares apelavam por um candidato único e civil”. Juscelino respondeu com um discurso duro : – “Deus me poupou do sentimento do medo”.
E saiu pelo pais pregando desenvolvimento e “50 anos em 5”.
Em 3 de outubro, dos 9.066.698 votos, Juscelino teve 3.077.411 (36%), Juarez 2.601.166 (30%), Ademar 2.222.725 (26%) e Plínio 714.379 (8%).
Em 31 de janeiro de 56, JK era o presidente da Republica. O golpe da UDN, de 50, 54 e 55, tinha sido mais uma vez adiado. Para 1964.
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CORAGEMDesde Juscelino, Minas está escorraçada da presidência da Republica. Aécio Neves quer disputar 2014 com Dilma, falando em JK. O paulista Kassab criou um partido, chamou de PSD, usando JK. Querem ser duas xerox. Falta-lhes o que sobrava em Juscelino: coragem e verdade.