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domingo, 11 de agosto de 2013

A torradeira do poeta

Joaquim Pedro de Andrade

DOMINGOS OLIVEIRA
Joaquim Pedro de Andrade era um príncipe. E foi através dele que entrei no cinema, no cargo de segundo assistente do curta-metragem "O Poeta do Castelo", em que ele retratava o padrinho, Manuel Bandeira.
De família tradicional, cultíssimo, Joaquim falava baixo e de boca fechada, como se não quisesse ser ouvido. Joaquim era o único que Glauber Rocha levava em consideração. Se Glauber era o rei do cinema novo, então o Joaquim era o primeiro-ministro. E somente tinha amigos do mesmo alto gabarito, como o longilíneo e levemente gago Mário Carneiro, grande fotógrafo do cinema novo.
Eu, menino ignorante de Botafogo, estremecia diante daqueles deuses. Naquele tempo, para juntar pedaços de filme, era necessário gilete para raspar um celuloide e cola para colar. Ou no mínimo durex. Provando assim o milagre de Eisenstein: duas imagens juntas criam um terceiro significado.
No quarto dia de filmagem, constava o plano "cena da torradeira". Manuel entrava na cozinha, em seu pijama matinal, botava manteiga numa fatia de pão, enfiava na torradeira e ia para dentro de casa. A câmera ficava na torradeira. Bem, nenhum estudante de cinema de hoje pode imaginar como pode ser complicado iluminar uma torradeira. E a câmera refletida no metal? E o "eixo", estava certo?
Nunca esquecerei a gravidade da equipe inteira no pequeno apartamento do Bandeira, olhando atentamente para uma torradeira e esperando o momento decisivo em que o pão ia saltar.
O filme virgem naquele tempo custava caríssimo. Muitas vezes não continha TriX (filme sensível), era preciso arranjar vários rolos de máquina fotográfica, esvaziá-los no escuro e juntá-los imediatamente para compor um rolo de 3 minutos digno da câmera cinematográfica.
Esta sacralidade do cinema foi totalmente esquecida e não pode ser entendida pelos cineastas de hoje. Muita coisa foi banalizada nos tempos modernos. O crime é uma delas; o cinema é outra.
"Django" (2012), "Melancolia" (2011) ou "A Pele que Habito" (2011) podem ser bons filmes, mas não são o "Cidadão Kane" (1941) nem "O Garoto" (1921). Será um dia de glória quando o cinema resgatar aquele momento da torradeira.
Eu morria de timidez ali dentro da casa do poeta, num beco do Castelo, no centro da cidade. Eu ficava de mão fria toda vez que ia me aproximar do poeta. Já era muito ficar na mesma sala durante horas.
Um dia a equipe atrasou por causa do trânsito. O encontro era na esquina do Palácio Capanema e chegamos só nós dois: o poeta e eu. Calados, sem nenhum assunto possível, ficamos ali uns intermináveis 15 minutos. Foi nesse momento que Manuel abriu a boca e externou uma reflexão de poeta. Espantei-me: ele sabia meu nome!
"Domingos, esse lugar aqui não é mais o meu. Não existia nenhum desses edifícios e a cidade era outra. Está vendo essa multidão que anda de um lado para o outro? Eu não conheço nenhum deles. Esse mundo não é mais o meu." Não sei se ruborizei em febre ou se fiquei calado. O poeta tinha falado. Comigo.
Alguns dias depois, usando um equipamento moderníssimo (um trilho sobre o qual deslizava a câmera sobre rodinhas), Manuel passava em frente à Academia Brasileira de Letras ao som de sua voz dizendo que ia para a Pasárgada.
Aproveitemos o momento para enfatizar que o pequeno documentário, "O Poeta do Castelo", é dos melhores trabalhos do Joaquim Pedro. Tem uma magia que não se sabe de onde vem. Talvez da torradeira ao som da "Pavane", de Gabriel Faurè.

sábado, 6 de julho de 2013

O Rio e a Lei

O Rio e a Lei
À Margem do Rio. À Margem da Lei.

Vamos fazer uma análise comparativa.
O Rio com a Lei e suas margens.
A margem do rio.
A margem da lei.
Para um bom entendimento: O que são as margens?
A margem do rio e a margem da lei.
As margens são o que estão  do lado do rio e do lado da lei, acompanham o rio e a lei mais estão fora do rio e da lei.
As margens circundam o rio e a lei, não são o rio e não são a lei.
O rio é a lei que foi feita para organizar a sociedade. Para organizar o inter-relacionamento entre as pessoas.
Para que o forte não domine o fraco. Para que o rico não domine e subjugue o pobre. Para que todos tenham e gozem dos mesmos direitos enquanto tenham vida.
Para que a vida seja vivida em paz, sem conflitos.
Se o rio é a lei. Quem são as suas margens?
Aqueles que não estão no rio. Estes são e estão em suas margens ou os marginais, que estão fora do rio ou fora da lei.
Para estes, os marginais, só interessa a se mesmo.
A sociedade que se expluda.
Estes só querem: Poder (mandar e dominar os outros). Por alguém à seu serviço. Escravizar e subjugar.
Estes, os marginais, são todos aqueles que não são o rio, não são ou  não estão na lei, vivem à margem do rio à margem da lei.
São estes:
O assassino,
O ladrão,
O estuprador,
O pedófobo,
O profissional corrupto e corruptor
e,
Principalmente: aqueles que querem aparentar prestigio e status: “Os estelionatários”.
Aqueles que vivem sutilmente tomando, roubando, enganando para puxar tudo o que é de outrem para si mesmo.
O estelionatário é simpático, bem aparentado, bem vestido, porta um carro de luxo, um ipad, um iphone do ultimo tipo, do ultimo modelo.
Ele, o estelionatário, não trabalha, toma dos que trabalham.
Este elemento, o estelionatário, assim como todos os outros que não estão no rio, não está na lei, estão às margens do rio, da lei, não interessam à sociedade, que são todos que estão no rio, que estão na lei.
Os que estão à margem da lei, não acrescem nada à sociedade, não propiciam o desenvolvimento desta.
O crescimento econômico, em beneficio de todos, em beneficio do rio.
Vamos extirpar aqueles que são predadores da sociedade é chegada a hora.
O povo quer a lei.
O povo quer a ordem.
O povo quer o viver bem para todos.
Sé o povo quer,
O povo faz,
O povo tem.
A união é à base de tudo.
É o principio da democracia.
A ORGANIZACAO DA SOCIEDADE.
Se o povo quer,
O povo faz,
O povo tem.
VAMOS DAR UMA ORDEM NO CAOS.
ESTA NA HORA DO POVO BERRAR.
DE PARAR DE SOFRER.
Afinal, a Vida é única.
Só pode ser vivida enquanto durar.
Não vamos quebrar, não vamos depredar. Se assim agirmos, também estaremos à margem do rio, à margem da lei. Não seremos interessantes para a sociedade. Também devemos ser extirpados da sociedade, do rio.
P.S.: Vem aí o Dossiê Mathias com TH.
Me aguardem.
Computador!
Ele também pode dar uma puta dor em quem agir, ser e ficar, à margem do rio, à margem da lei, à margem da ordem.
Me perdoem! Estou ouvindo alguém se intrometendo, se metendo, penetrando, no meu texto.  Como é do costume dele.
Fala Takalonga!
Diz Takalonga:
Todos têm que ser, estar no rio, na ordem social.
Se expressar bem é entrar, bem e bem rápido na cabeça de outrem.
Falou e disse Takalonga.
Você se metendo, de novo na minha conversa, no meu texto.
Dia 24 de Junho foi o dia de São João, logo após, o dia de São Pedro.
Dias de acender fogueira, dias de tocar bombas.
Mais vamos ficar na fogueira e bomba, artefatos VIRTUAIS.
Takalonga é bala boa;
É bala do bem;
É bala de efeito moral;
È bala virtual que penetra pelos nossos olhos.
Takalonga não esta a serviço de um.
Esta a serviço de todos.
Não esta a serviço de partido.
Esta à serviço do inteiro.
Esta à serviço do rio.
Não esta á serviço da fôrma de organização da economia.
Esta à serviço da vida.
Temos de trazer as margens para o rio, para a lei.
O objetivo é açorar as margens.
Alargar o rio e transformar todos em um só rio.
Temos que evoluir.
Mudar os métodos.
Hoje, neste milênio, até a ferrugem não se resolve por meios mecânicos.
Usa-se a química.
Para assorar as margens vamos buscar a química da vida, a química de todos.
Vamos açorar as margens.
Vamos alargar o rio.
Vamos trazer todos para o rio.
Vamos alargar o rio.
Vamos transformar o caos que aí esta em uma sociedade justa e boa para ser vivida.
Ninguém vive, a mesma vida duas vezes.
E aí Taka, você ainda esta ai?
Fale-nos sobre o movimento das ruas?
Taka:
Ficaram dizendo:
O Brasil é os Pais do futuro.
O futuro chegou.
É aqui e agora.
Na hora certa tudo acontece.
Graças a todos os que vieram.
Os que aqui estiveram.
O movimento é único.
A mare é grande.
A correnteza é forte.
Os que aqui estão e os que vão chegar.
O BRASIL É AQUI E AGORA.
NADA ACONTECE POR ACASO.
PARA AGONTECER O BRASIL DE AGORA:
Tinham que vir todos:
Os desonestos.
Os honestos.
Os profissionais.
Os marginais.
Os estelionatários que vivem o seu papel de psicopatas.
Os corruptores.
Os corrompidos.
Os ladrões.
Os traficantes.
Os assassinos.
Os bem remunerados.
Os explorados.
Os escravizados.
Há um equilíbrio na vida como na ecologia.
Todos têm seu papel e sua função no contexto.
Temos de agradecer a todos.
Todos vieram para cumprir um papel na “ARQUITETURA DIVINA”.
O tempo Maia acabou em 2012.
Em 2013 começa um novo tempo.
Uma nova civilização.
DEUS É.
De volta ao começo:
O Brasil começou na Bahia.
Teve sua independência em sete de setembro, um ano antes de a Bahia expulsar os Portugueses, com muito sangue:
O de Joana Angélica.
O de Maria Quitéria que se travestiu de homem para ingressar nas tropas e expulsar os Portugueses.
Os dos Caboclos.
Os dos Índios.
Os dos Escravos.
Os dos Negros.
Os dos Brancos.
Os dos Jagunços.
Todos para no dia dois de julho.
Um ano depois do sete de setembro, todos juntos firmarem  e selarem a liberdade da Pátria Amada.
Hoje dia 02 de Julho de 2013, junto com a minha criatura “Takalonga”, que gosta que eu o chame de Taka, dizendo: Pai! Me chame de taquinha,
Deixe a longa para os outros.
Vamos começar de novo.
Na BAHIA.
+ Jaf
Texto publicado no face book
por Fon Jose
Em 2 de Julho de 2013

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Panorama do Cinema Baiano

A Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), unidade da Secretaria de Cultura do Estado (SecultBA), através de sua Diretoria de Audiovisual (DIMAS), faz o lançamento virtual da segunda edição do Panorama do Cinema Baiano, de André Setaro. Originalmente publicad
o pela FUNCEB em 1976, o livro é reeditado em versão revista e ampliada, e pode ser acessado gratuitamente nos sites da DIMAS (www.dimas.ba.gov.br) e da FUNCEB (www.funceb.ba.gov.br). A obra será posteriormente também publicada em versão impressa dentro da Série Crítica das Artes, coleção que integra o Programa de Incentivo à Crítica de Artes e que objetiva promover a difusão de conteúdo sobre o tema, inclusive no resgate de produções de profissionais notórios no campo.


Mais informações e acesso ao livro em:

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O réu ausente


Por Demétrio Magiori

A tese da quadrilha, emanada da acusação e adotada pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, orienta a maioria dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso do mensalão. Metodologicamente, ela se manifesta no ordenamento das deliberações, que agrupa os réus segundo a lógica operacional seguida pela quadrilha. Substantivamente, transparece no conteúdo dos votos dos ministros, que estabelecem relações funcionais entre réus situados em posições distintas no esquema de divisão do trabalho da quadrilha. As exceções evidentes circunscrevem-se ao revisor, Ricardo Lewandowski, e a José Antônio Dias Toffoli, um ex-advogado do PT que, à época, negou a existência do mensalão, mas agora não se declarou impedido de participar do julgamento. O primeiro condenou os operadores financeiros, mas indicou uma inabalável disposição de absolver todo o núcleo político do sistema criminoso. O segundo é um homem com uma missão.

O relatório de "contraponto" do revisor, uma cachoeira interminável de palavras, consagrou-se precisamente à tentativa de implodir a tese principal da acusação. Sem a quadrilha a narrativa dos eventos criminosos perderia seus nexos de sentido. Como consequência, voluntariamente, a mais alta Corte vendaria seus próprios olhos, tornando-se refém das provas materiais flagrantes. Juízes desmoralizados proclamariam o império da desigualdade perante a lei, condenando figuras secundárias cujas mãos ainda estão sujas de graxa para absolverem, um a um, os pensadores políticos que coordenavam a orgia de desvio de recursos públicos. Esse caminho, o sendero de Lewandowski, felizmente não prosperou. Há um julgamento em curso, não uma farsa.

Uma quadrilha é uma organização, tanto quanto uma empresa. Nas organizações há uma relação inversa entre a posição hierárquica e a natureza material da função. Nos níveis mais elevados de direção o trabalho é altamente abstrato: análise estratégica, definição de metas de longo prazo, orientação geral de prioridades e rumos. Nessa esfera ninguém opera máquinas, emite ordens de pagamento ou assina relatórios gerenciais. Contudo as organizações se movem na direção e no ritmo ditados pelo círculo fechado de seus "intelectuais".

A narrativa da peça acusatória conta-nos que, na quadrilha do mensalão, um personagem concentrava as prerrogativas decisórias supremas. José Dirceu, explicou o procurador-geral da República, utilizava sua dupla autoridade, no governo e no PT, para mover as engrenagens da "fabricação" de dinheiro destinado a perpetuar um condomínio de poder. Previsivelmente, o "chefe da quadrilha" deixou apenas rastros muito tênues e indiretos de seus feitos. "O que vão querer em termos de provas? Uma carta? Uma confissão espontânea? É muito difícil. Você tem confissão espontânea de ladrão de galinha", constatou o juiz Marco Aurélio Mello em entrevista recente. O que decidirá o STF quando, ultrapassado o escalão dos chefes políticos acessórios, chegar à encruzilhada de Dirceu?

O inacreditável Toffoli explicitou seus critérios ao justificar o voto de absolvição sob o argumento de que "a defesa não precisa provar sua versão". Todos sabem que o ônus da prova de culpa cabe à acusação. Mas é óbvio até para leigos que, confrontada com evidências de culpabilidade, a defesa tem o dever de comprovar seus álibis. Na ponta oposta, o juiz Luiz Fux sustentou que, diante de "megacrimes" articulados por figuras poderosas, "indícios podem levar a conclusão segura e correta". A síntese de Fux descortina o método pelo qual, sem arranhar as garantias do Estado de Direito, é possível estender a aplicação da lei aos "fidalgos" da República.

Não é verdade, como alega a defesa do então ministro-chefe da Casa Civil, que nada se tem contra ele. A acusação apresentou uma longa série de provas circunstanciais do poder efetivo de Dirceu sobre os personagens cruciais para as operações da quadrilha. Mas, na ausência de uma improvável confissão esclarecedora de algum dos réus, os juízes terão de decidir, essencialmente, sobre "indícios": a lógica interna de uma narrativa. Eles podem escolher a conclusão inapelável derivada da tese da quadrilha e, sem o concurso de provas documentais, condenar o réu mais poderoso pela autoria intelectual dos inúmeros crimes tipificados. A alternativa seria recuar abruptamente em face do espectro da ousadia jurídica, absolver o símbolo do mensalão e legar à posteridade a história esdrúxula, risível e intragável de uma quadrilha carente de comando.

O enigma é, porém, ainda mais complexo. Como registrou o advogado de defesa do ex-deputado Roberto Jefferson, há um réu ausente, que atende pelo nome de Lula da Silva. Toda a trama dos crimes, tal como narrada pela acusação, flui na direção de um comando central. Dirceu, prova o procurador-geral, detinha autoridade política sobre os operadores cruciais do mensalão. Mas acima de Dirceu, no governo e no PT, encontrava-se Lula, "um sujeito safo" que "sempre se mostrou muito mais um chefe de governo do que chefe de Estado", nas palavras do mesmo Marco Aurélio. A peça acusatória, todavia, não menciona Lula, o beneficiário maior da teia de crimes que alimentavam um sistema de poder. A omissão abala sua estrutura lógica.

"Você acha que um sujeito safo como Lula não sabia?", perguntou Marco Aurélio, retoricamente, ao jornalista que o entrevistava. Ninguém acha - e existem diversos depoimentos que indicam a ciência plena do então presidente sobre o essencial da trama. O mesmo tipo de prova indireta, não documental, utilizada na incriminação de Dirceu poderia - e, logicamente, deveria - ter sido apresentada para pôr Lula no banco dos réus. Mas o procurador-geral escolheu traçar um círculo de ferro em torno de um homem que, coberto de motivos para isso, se acredita inimputável. A opção da acusação, derivada de uma perversa razão política, assombrará o País por longo tempo.

ESTADÃO
O GLOBO
30/08/2012 

domingo, 26 de agosto de 2012

O STF corre perigo


Por MARCO ANTONIO VILLA

No julgamento do mensalão o Supremo Tribunal Federal (STF) está decidindo a sua sorte. Mas não só: estará decidindo também a sorte da democracia brasileira. A Corte deve servir de exemplo não só para o restante do Poder Judiciário, mas para todo cidadão. O que estamos assistindo, contudo, é a um triste espetáculo marcado pela desorganização, pelo desrespeito entre seus membros, pela prolixidade das intervenções dos juízes e por manobras jurídicas.

Diferentemente do que ocorreu em 2007, quando do recebimento do Inquérito 2.245 - que se transformou na Ação Penal 470 -, o presidente Carlos Ayres Britto deixou de organizar reuniões administrativas preparatórias, que facilitariam o bom andamento dos trabalhos. Assim, tudo passou a ser decidido no calor da hora, sem que tenha havido um planejamento minimamente aceitável. Essa insegurança transformou o processo numa arena de disputa política e aumentou, desnecessariamente, a temperatura dos debates.

Desde o primeiro dia, quando toda uma sessão do Supremo foi ocupada por uma simples questão de ordem, já se sinalizou que o julgamento seria tumultuado. Isso porque não interessava aos petistas que fosse tomada uma decisão sobre o processo ainda neste ano. Tudo porque haverá eleições municipais e o PT teme que a condenação dos mensaleiros possa ter algum tipo de influência no eleitorado mais politizado, principalmente nas grandes cidades. São conhecidas as pressões contra os ministros do STF lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente agiu de forma indigna. Se estivesse no exercício do cargo, como bem disse o ministro Celso de Mello, seria caso de abertura de um processo de impeachment.

A lentidão do julgamento reforça ainda mais a péssima imagem do Judiciário. Quando o juiz não consegue apresentar brevemente um simples voto, está sinalizando para o grande público que é melhor evitar procurar aquela instância de poder. O desprezo pela Justiça enfraquece a consolidação da democracia. Quando não se entende a linguagem dos juízes, também é um mau sinal. No momento em que observa que um processo acaba se estendendo por anos e anos - sempre havendo algum recurso postergando a decisão final - a descrença toma conta do cidadão.

Os ministros mais antigos deveriam dar o exemplo. Teriam de tomar a iniciativa de ordenar o julgamento, diminuir a tensão entre os pares, possibilitar a apreciação serena dos argumentos da acusação e da defesa, garantindo que a Corte possa apreciar o processo e julgá-lo sem delongas. Afinal, se a Ação Penal 470 tem enorme importância, o STF julga por ano 130 mil processos. E no ritmo em que está indo o julgamento é possível estimar - fazendo uma média desde a apresentação de uma pequena parcela do voto do ministro Joaquim Barbosa -, sendo otimista, que deverá terminar no final de outubro.

Esse julgamento pode abrir uma nova era na jovem democracia brasileira, tão enfraquecida pelos sucessivos escândalos de corrupção. A punição exemplar dos mensaleiros serviria como um sinal de alerta de que a impunidade está com os dias contados. Não é possível considerarmos absolutamente natural que a corrupção chegue até a antessala presidencial. Que malotes de dinheiro público sejam instrumento de "convencimento" político. Que uma campanha presidencial - como a de Lula, em 2002 - seja paga com dinheiro de origem desconhecida e no exterior, como foi revelado na CPMI dos Correios e reafirmado na Ação Penal 470.

A estratégia do PT é tentar emparedar o tribunal. Basta observar a ofensiva na internet montada para pressionar os ministros. O PT tem uma vertente que o aproxima dos regimes ditatoriais e, consequentemente, tem enorme dificuldade de conviver com qualquer discurso que se oponha às suas práticas. Considera o equilíbrio e o respeito entre os três Poderes um resquício do que chama de democracia burguesa. Se o STF não condenar o núcleo político da "sofisticada organização criminosa", como bem definiu a Procuradoria-Geral da República, e desviar as punições para os réus considerados politicamente pouco relevantes, estará reforçando essa linha política.

Porém, como no Brasil o que é ruim sempre pode piorar, com as duas aposentadorias previstas - dos ministros Cezar Peluso, em setembro, e Ayres Britto, em novembro - o STF vai caminhar para ser uma Corte petista. Mais ainda porque pode ocorrer, por sua própria iniciativa, a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Haverá, portanto, mais três ministros de extrema confiança do partido - em sã consciência, ninguém imagina que serão designados ministros que tenham um percurso profissional distante do lulopetismo. Porque desta vez a liderança petista deve escolher com muito cuidado os indicados para a Suprema Corte. Quer evitar "traição", que é a forma como denomina o juiz que deseja votar segundo a sua consciência, e não como delegado do partido.

Em outras palavras, o STF corre perigo. E isso é inaceitável. Precisamos de uma Suprema Corte absolutamente independente. Se, como é sabido, cabe ao presidente da República a escolha dos ministros, sua aprovação é prerrogativa do Senado. E aí mora um dos problemas. Os senadores não sabatinam os indicados. A aprovação é considerada automática. A sessão acaba se transformando numa homenagem aos escolhidos, que antes da sabatina já são considerados nomeados.

Poderemos ter nas duas próximas décadas, independentemente de que partido detenha o Poder Executivo, um controle petista do Estado brasileiro por intermédio do STF, que poderá agir engessando as ações do presidente da República. Dessa forma - e estamos trabalhando no terreno das hipóteses - o petismo poderá assegurar o controle do Estado, independentemente da vontade dos eleitores. E como estamos na América Latina, é bom não duvidar.

Historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
 
ESTADÃO
26/08//2012 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

BASTA!!!!

LUIZ FELIPE PONDÉ 


A Anvisa é uma das agências fascistas que querem controlar nossas vidas nos mínimos detalhes, com sua proposta de exigir receita médica para comprar remédios tarja vermelha. É uma das pragas contemporâneas.

Não acredito na boa vontade nem na ciência desses tecnocratas da Anvisa. Acho que eles se masturbam à noite sonhando como vão controlar a vida dos outros em nome da saúde pública. Não acredito em motivações ideológicas para nada, apenas em taras sexuais escondidas. Freud na veia...

Dou mais dois exemplos desse tipo de praga: proibir publicidade para crianças e cotas de 50% nas universidade federais para índios, negros e pobres (alguma pequena porcentagem neste último caso vá lá).

Nós, contribuintes, não podemos nos defender dessa lei das cotas. Essa lei rouba nosso dinheiro na medida em que somos nós que pagamos pelas universidades federais.

Até quando vamos aceitar esta ditadura "light" que "bate nossa carteira" dizendo que é em nome da justiça social? "Justiça social" é uma das assinaturas do fascismo em nossa época.

O fascismo não morreu, e um dos maiores desserviços que minha classe intelectual presta à sociedade é deixar que as pessoas pensem que o fascismo morreu. Aldous Huxley ("Admirável Mundo Novo"), George Orwell ("1984") e Ayn Rand ("A Revolta de Atlas") deveriam ser adotados em todas as escolas para ensinar o que os professores não ensinam e deveriam ensinar: que o fascismo não morreu.

O fascismo é a marca de tecnocratas e políticos que querem governar a vida achando que somos idiotas incapazes de decidir e que usam nosso dinheiro para esconder suas incompetências e sustentar suas ideologias "do bem". Querem nos tornar idiotas e pobres, para depois "tomar conta de nós".

O governo brasileiro, que flerta com o fascismo, engana as pessoas se concentrando em temas da "igualdade" e "saúde pública". A proposta de cotas nas universidades federais, além de populismo sem-vergonha, maquia a incompetência imoral do governo em retribuir à sociedade o que arrecada monstruosamente em impostos. A máquina de arrecadação de impostos no Brasil faz do governo sócio parasita de todo mundo que trabalha.

Em vez de investir dinheiro na educação básica, sua obrigação, o governo usa o dinheiro público em aventuras como o mensalão, se escondendo atrás de medidas (cotas nas universidades, controles da Anvisa, proibição de publicidade para crianças) que não arranham a corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT, mas que têm grande apelo publicitário.

O que é corrupção ideologicamente justificada? Você se lembra do "rouba, mas faz"? O PT diz "porque sou do bem, posso roubar". Essas leis não atrapalham a corrupção porque não disputam dinheiro com a corrupção. O pior é que, como parte do corpo de professores e funcionários das universidades federais é também fascista, acha isso tudo lindo.

Quanto à proibição da publicidade infantil, todo mundo sabe que só a família e a escola podem fazer alguma coisa para educar crianças. Todo mundo sabe que é difícil educar, ocupar e conviver dizendo "não" para as crianças. Todo mundo sabe que, quanto menos a mãe está em casa e quanto mais ela é só e menos tempo tem para criança, mais a criança come porcaria.

E quanto mais isso tudo acontece, mais se precisa de escola pública competente para preencher o vazio de famílias que não cumprem sua função, ainda que nunca seja a mesma coisa. Mas escola pública atrapalha a corrupção porque gasta o dinheiro da "mesada do bem". Mais barato para o governo é brincar de proibir a publicidade infantil.

Os mesmos que gozam pensando em mandar na vida dos outros são os que mentem quando não dizem que as crianças comem porcaria porque ficam largadas em casa sem mãe para tomar conta delas (e sem boas escolas). Não precisa ser gênio para saber que,sem mãe atenta, nada funciona na vida das crianças.

Os mesmos que cospem na cara da família como instituição, estimulam as mulheres a pensarem só em si mesmas e acusam a família de ser autoritária são os que pedem a proibição da publicidade infantil.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Os 'amigos do povo' contra o mérito


DEMÉTRIO MAGNOLI
A assinatura da deputada Nice Lobão - campeã em faltas na Câmara e esposa do ministro Edison Lobão, protegido de José Sarney - no projeto de lei de cotas nas instituições federais de ensino superior e médio é um desses acasos repletos de significados. Por intermédio de Nice, a nova elite política petista se abraça às elites tradicionais numa santa aliança contra o princípio do mérito. Os aliados exibem o projeto como um reencontro do Brasil consigo mesmo. De um modo perverso, eles têm razão.

Nunca antes uma democracia aprovou lei similar. Nos EUA as políticas de preferências raciais jamais se cristalizaram em reservas de cotas numéricas. Índia e África do Sul reservaram parcelas pequenas das vagas universitárias a grupos populacionais específicos. O Brasil prepara-se para excluir 50% das vagas das instituições federais da concorrência geral, destinando-as a estudantes provenientes de escolas públicas.

O texto votado no Senado, ilustração acabada dos costumes políticos em voga, concilia pelo método da justaposição as demandas dos mais diversos "amigos do povo". Metade das vagas reservadas contemplará jovens oriundos de famílias com renda não superior a 1,5 salário mínimo. Todas elas, em cada "curso e turno", serão repartidas em subcotas raciais destinadas a "negros, pardos e indígenas" nas proporções de tais grupos na população do Estado em que se situa a instituição. Uma extravagância final abole os exames gerais, determinando que os cotistas sejam selecionados pelas notas obtidas em suas escolas de origem.

Gueto é o nome do jogo. Só haverá uma espécie viciada de concorrência entre "iguais": alunos de escolas públicas concorrem entre si, mas não com alunos de escolas privadas. Jovens miseráveis não concorrem com jovens pobres. "Pardos" competem entre si, mas não com "brancos" ou "negros", detentores de suas próprias cotas. Cada um no seu quadrado: todos têm um lugar ao sol - mas o sol que ilumina uns não é o mesmo que ilumina os outros. No fim do arco-íris, cada cotista portará o rótulo de representante de uma minoria oficialmente reconhecida. O "branco" se sentará ao lado do "negro", do "pardo", do "indígena", do "pobre" e do "miserável" - e todos, separados, mas iguais, agradecerão a seus padrinhos políticos pela vaga concedida.

Nice Lobão é apenas um detalhe significativo. O projeto reflete um consenso de Estado. Nasce no Congresso, tem o apoio da presidente, que prometeu sancioná-lo, e a bênção prévia do STF, que atirou o princípio da igualdade dos cidadãos à lixeira das formalidades jurídicas ao declarar a constitucionalidade das cotas raciais. O Estado brasileiro desembaraça-se do princípio do mérito alegando que se trata de critério "elitista". Na verdade, é o avesso disso: a meritocracia difundiu-se no pensamento ocidental com as Luzes, junto com o princípio da igualdade perante a lei, na hora do combate aos critérios aristocráticos de promoção escolar e preenchimento de cargos no serviço público. Naquele contexto, para suprimir a influência do "sangue azul" na constituição das burocracias públicas, nasceram os concursos baseados em exames.

O princípio do mérito não produz, magicamente, a igualdade de oportunidades, mas registra com eficiência as injustiças sociais. Os vestibulares e o Enem revelam as intoleráveis disparidades de qualidade entre escolas privadas e públicas. Entretanto, revelam também que em todos os Estados existem escolas públicas com desempenho similar ao das melhores escolas particulares. A constatação deveria ser o ponto de partida para uma revolução no ensino público destinada a equalizar por cima a qualidade da educação oferecida aos jovens. No lugar disso, a lei de cotas oculta o fracasso do ensino público, evitando o cotejo entre escolas públicas e privadas. Os "amigos do povo" asseguram, pela abolição do mérito, a continuidade do apartheid educacional brasileiro.

O ingresso em massa de cotistas terá impacto devastador nas universidades federais. Por motivos óbvios, elas estão condenadas a espelhar o nível médio das escolas públicas que fornecerão 50% de seus graduandos. Hoje quase todos os reitores das federais funcionam como meros despachantes do poder de turno. Mesmo assim, eles alertam para os efeitos do populismo sem freios. O Brasil queima a meta da excelência na pira de sacrifício dos interesses de curto prazo de sua elite política. Os "amigos do povo" convertem o ensino público superior em ferramenta de mistificação ideológica e fabricação de clientelas eleitorais.

No STF, durante o julgamento das cotas raciais, Marco Aurélio Mello pediu a "generalização" das políticas de cotas. A "lei Lobão" atende ao apelo do juiz que, como seus pares, fulminou o artigo 208 da Constituição, no qual está consagrado o princípio do mérito para o acesso ao ensino superior. Mas a virtual abolição do princípio surtirá efeitos em cascata na esfera do funcionalismo público, que interessa crucialmente à elite política. As próximas leis de cotas tratarão de desmoralizar os concursos públicos nos processos de contratação, nos diversos níveis de governo.

A meritocracia é o alicerce que sustenta as modernas burocracias estatais, traçando limites ao aparelhamento político da administração pública. Escandalosamente, a elite política brasileira reserva para si a prerrogativa de nomear os ocupantes de centenas de milhares de cargos de livre provimento, uma fonte inigualável de poder e corrupção. A ofensiva dos "amigos do povo" contra o princípio do mérito tem a finalidade indireta, mas estratégica, de perpetuar e estender o controle dos partidos sobre a administração pública.

O país do patrimonialismo, do clientelismo, dos amigos e dos favores moderniza sua própria tradição ao se desvencilhar de um efêmero flerte com o princípio do mérito. Nice Lobão é um retrato fiel da elite política remodelada pelo lulismo.

ESTADÃO
16/08/2012 

domingo, 29 de julho de 2012

Machado por Merquior

Conferência pronunciada no "I Encontro de professores de literatura Brasileira - Machado de Assis: Texto e Contexto", realizado na Faculdade de Letras da UFRJ, em 1989. - José Guilherme Merquior - Publicado em Machado de Assis - Uma revisão - Eds. Secchin, A. C.;Gomes de Almeida, J.M;Melo e Souza, R. , Ed. In-Fólio, isbn 8586062030

Sobre o aspecto da mobilidade social em Machado de Assis existem duas posições: uma, clássica, que consiste em maravilhar-se diante da fulgurante ascensão social do mulatinho gago e epilético, que galga todas as posições, que vira um alto burocrata do Império, que ganha a Ordem da Rosa, que é solicitado a fundar e presidir a Academia na fase em que ela tinha importante sentido sociológico como poderoso instrumento de institucionalização e consagração literárias, enfim, todo esse esplendor, toda essa novela da irresistível ascensão de Machadinho e de sua conversão em Machado quase medalhão. Essa realmente é a posição ortodoxa que ainda domina, creio, a maior parte dos trabalhos biográficos e, não obstante, começou a ser discreta mas firmemente revista - e eu mencionaria em conexão com isso dois nomes, o de Antonio Candido, no seu famoso "Esquema de Machado de Assis", e o de Roberto Schwarz', que o acompanha nesse ponto, inclusive em trabalhos coligidos recentemente no volume Que horas são?
É preciso examinar o problema da inegável ascensão social de Machado de Assis em uma perspectiva histórico-sociológica mais bem informada. Sem negar que realmente sua vida foi um triunfo de consagração social, o ponto de partida não é aquela história tão melodramaticamente marginal como a princípio se pensou.
Certos críticos e biógrafos, hipnotizados talvez pela figura tímida, pequena e humilde, sobretudo pelas origens sociais e familiares de Machado de Assis, - o filho do pintor de paredes, o enteado, o garotinho do morro do Livramento -, se esquecem de que, afinal de contas, tudo isso tinha por trás de si um grau, ou degrau, muito importante na história da nossa sociedade senhorial, que era o fenômeno do agregado: os pais de Machado eram humildes agregados; por causa disso ele consegue imediatamente ser protegido por uma família senhorial de grande status e bastante renda na corte do seu tempo, e é isso que lhe permite de alguma forma aqueles empurrões iniciais. O seu caso seria infinitamente mais atípico, e aí, sim, completamente excepcional, se não houvesse esse ponto de partida que eu me atreveria a caracterizar como uma espécie de "ninho" ou "nicho-trampolim"; quer dizer, a sociedade senhorial, evidentemente não caracterizada por altas taxas de mobilidade social no sentido coletivo, permitia que determinados nichos no seu seio servissem de trampolim à ascensão social, e essa me parece uma visão muito mais acurada do que tenha sido o caso de Machado de Assis. A partir daí entram em cena as pessoas e as experiências que o ajudaram muito na vida, da gráfica de Paula Brito a Manuel Antônio de Almeida, ao diálogo, pouco mais tarde, com Joséde Alencar e, enfim, à sua privança com grandes personagens da imprensa brasileira da época, que eram também pessoas de projeção política, ou seja, o lado Quintino Bocaiúva ou Saldanha Marinho.
Mas, em qualquer caso, é necessário acabar com o resquício melodramático da ascensão milagrosa de Machado, porque, afinal de contas, o seu ponto de partida, não estando evidentemente nos altos escalões da sociedade senhorial, beneficiava-se desse "nicho-trampolim" que procurei caracterizar. E isso acabava contribuindo para explicar o resultado final, que é, sem dúvida, um alto grau de integração na sociedade brasileira daquela época. A obra, contudo, permanece, de certa forma, marginalizada; não no sentido de ela não ter sido louvada ou reconhecida - porque obviamente ela foi fartamente louvada e reconhecida - mas num paradoxo: tendo sido reconhecida, não foi bem interpretada em determinadas linhas de força. Vocês poderiam dizer que, afinal de contas, isso é mais ou menos o destino de toda e qualquer grande obra de ficção, como a obra de Dostoievski ou a de Stendhal; este último, então, é um caso clássico, com a famosa afirmação de que só começaria a ser entendido e apreciado por volta de 1890. Enfim, são inúmeras as ocorrências de grandes obras que não foram plenamente compreendidas na sua época.
Mas o caso de Machado é de fato um pouco diferente, porque há um esforço sistemático, nos últimos cinqüenta anos, pela conquista de um tipo de compreensão da obra, que vulgarmente poderíamos chamar "compreensão de profundidade", e que faltava no seu tempo. O que este apreciava nele era a forma, a elegância; eram as virtudes chamadas áticas do estilo, enfim, tudo aquilo que cabe na famosa frase de Nabuco: "Só vi nele o grego." Realmente, sua época só via nele o grego, mas no sentido de uma fachada bastante postiça, no sentido de um verniz classicizante e academizante, e, quando se permitia dizer algo sobre o conteúdo da criação, reduzia-o imediatamente a uma espécie de cético de salão, à figura de um Anatole France tropical, ironista amestrado e escritor elegante - não mergulhando nunca a fundo na compreensão da obra. Nesse sentido, parece razoável insinuar que o desenho geral da carreira de Machado de Assis nos confronta imediatamente com esse paradoxo: inegável triunfo da mobilidade social do artista, lado a lado com a também inegável marginalidade da obra. Tal situação só foi superada graças ao esforço interpretativo da crítica moderna.
Como segunda nota sobre o contexto histórico-biográfico e, sobretudo, histórico-institucional - isto é, levando em conta o perfil da nossa literatura como instituição social nessa época - gostaria de chamar atenção para outro aspecto, que é a forte intelectualização ou, de maneira mais geral, a sofisticação da literatura brasileira no período pós-romântico. É uma coisa que, ao que suponho, nossas histórias literárias poderiam destacar mais do que habitualmente o fazem e, para destacá-lo, talvez pudessem partir de trabalhos pioneiros, que ficaram em estado de esboço, mas de esboço muito perspicaz, como os que se devem, por exemplo, a Roger Bastide. Vocês se lembram da figura de Bastide, um homem que passou dezoito anos no Brasil, notadamente em São Paulo, dentro daquela brilhante geração francesa comprometida com a infância da USP, os primeiros tempos da USP? Bastide foi sobretudo um grande especialista da relação entre psicologia e psicanálise, de um lado, e sociologia ou sociedade, de outro lado, e, dentro dessa perspectiva dupla, ocupou-se sobretudo do afro-brasileiro. Ao fazer isso, escreveu talvez os primeiros textos realmente penetrantes sobre o afro-brasileirismo no plano de alta cultura; aí, naturalmente, encontrou sobretudo a figura de Cruz e Sousa; mas, ao deter-se com grande sensibilidade na obra deste autor, acabou fazendo considerações sobre a poesia brasileira de sua época - quer dizer, da época pós-romântica - que me parecem seminais para a perspectiva que vou procurar sublinhar aqui, e que se ajustam também, creio eu, a Machado de Assis.
Em síntese, o que Bastide disse foi o seguinte: a maioria dos nossos grandes escritores pós-românticos, quer os prosadores, quer os poetas, optaram ou construíram obras numa escrita notavelmente mais difícil, mais complexa, mais sofisticada do que havia sido o caso da maioria dos românticos. Para acentuar de maneira bastante esquemática o ponto sobre o qual quero chamar a atenção, o que Bastide salientou foi que os nossos grandes escritores pós-românticos praticavam consciente e deliberadamente estilos difíceis. Isso é óbvio se compararmos a média da poesia parnasiana com a média da poesia romântica; se compararmos a média do romance naturalista com a média da ficção romântica, e não digo se compararmos o ensaio, porque o nosso romantismo não primou pelo exercício do ensaio, mas, ao contrário, de uma maneira geral, por uma grande lacuna ensaística; o ingresso do ensaio constitui, por si só, um índice expressivo dessa maior sofisticação intelectual e artesanal da literatura. Na literatura brasileira, o ensaio surge exatamente com os pós-românticos: os primeiros grandes críticos, ensaístas, historiadores, e alguns pensadores, aparecem no período pós-romântico, e não no período romântico. Aceita essa caracterização, Bastide vai introduzir um elemento original de análise, ao procurar mostrar que os escritores que assim procediam, que sofisticavam clara, patente, ostensivamente mesmo o fazer literário e o seu produto - como Alberto de Oliveira,Cruz e Sousa, Euclides da Cunha, Coelho Neto etc.,todos nomes bem representativos desse arco pós-romântico - eram de origem marcadamente pequeno-burguesa; e Bastide vai adiante para chegar à seguinte conclusão, que me parece bastante provocadora no melhor sentido da palavra: que eles se nobilitavam pelas suas proezas literárias ou estilísticas. Quer dizer, esses homens, consciente ou inconscientemente, faziam prova do domínio de um estilo difícil e de uma literatura, por exemplo, filosófica, também ela considerada mais difícil, mais elevada. Nesse plano as coisas se tornam ambíguas, e eles conquistam status, que era tudo o que podiam conquistar, mas conquistam status através de perfomances, através de desempenhos intelectuais e literários. Ora, tal observação ainda não foi devidamente aprofundada pela nossa historiografia literária, mas me parece seminal.
Eu próprio, excitado intelectualmente por essa idéia de Bastide, procedi a um mínimo de comparação entre as origens sociais da média dos nossos escritores românticos e modernistas - isto é, nos blocos imediatamente anterior e posterior - para ver se isso que Bastide tinha notado realmente remetia a algum tipo de diferença específica. E o resultado da minha rápida pesquisa me convenceu de que sim, porque a maioria dos nossos românticos - a exemplo de Alencar, Gonçalves Dias e Castro Alves - foram filhos de fazendeiros ou de altos funcionários, isto é, eles tranqüilamente pertenceram ao que deveríamos chamar, em toda uma fase do Império, a grande burguesia senhorial ou burocrática brasileira. E, quando chegamos aos modernistas, encontramos a mesma configuração; pensemos nos casos de Drummond, Manuel Bandeira, José Lins do Rego e multipliquemos por aí essas menções: o que vamos encontrar com freqüência é a figura do nouveau pauvre, como Bandeira e o próprio Drummond; o que vamos encontrar são filhos da grande burguesia muitas vezes diminuída na sua renda, mas não necessariamente no seu status ; muito pelo contrário, eram escritores que partiam de uma condição social elevada, embora suas famílias pudessem estar até bastante minadas do ponto de vista econômico. A gente tem então esse quadro: os românticos, que não escreviam difícil, e os modernistas, que deixam de escrever difícil, que simplificam a língua literária - tomada a produção modernista no seu conjunto, evidentemente -, em contraste com os pós-românticos, que escrevem difícil e sofisticam o pensamento e a expressão literários, e ao fazê-lo adquirem status. Ora, isso cai como luva na figura a todos os títulos central do período pósromântico, que é o próprio Machado. Foi ele talvez o caso mais dramaticamente ilustrativo disso, embora não se trate, evidentemente, de um escrever difícil num sentido mecânico, no sentido fácil, digamos assim, parnasianizante da coisa, mas se trata desse mundo de referências culturais verdadeiramente notáveis para a sua época e contexto.
Os românticos, tanto poetas como narradores, são basicamente referências standard para todos, quer dizer, são as referências que a média da produção romântica fazia em todo lugar: na Espanha, na Argentina, no México, na própria França, ao passo que Machado é um espírito de uma agilidade para a mobilização de recursos intelectuais muito além dessa média. Machado realmente cita com abundância, é o campeão das citações na literatura brasileira, e faz um uso muito especial dessas citações, mas o mero fato de fazê-las mostra que ele pertence em cheio a esse momento de maior sofisticação e intelectualização da literatura que marca todo o período pós-romântico.
Toda essa discussão traz à baila um outro ponto importante, a relação de Machado com os gêneros literários: parece-me que essa é a porta de entrada mais adequada para tratar do estilo narrativo machadiano; em outras palavras, para configurar a posição de Machado de Assis na história dos estilos ficcionais. É clássica a observação de que Machado de Assis não seguiu os cânones do romance realista, e, um pouco mais tarde, do romance naturalista; é também clássica a observação de que, em sua primeira fase, teria praticado alguma forma discreta, sóbria e sublimada do romance romântico, mas, sobretudo na segunda fase, teria abandonado qualquer obediência a estilos de época. Vem também então a clássica, mas já um pouco sovada, afirmação de que ele é inclassificável, de que ele é uma figura à parte, porque não cabe no romance realista e naturalista, o qual, ao contrário, criticou, como na famosa página sobre Eça de Queirós. Tudo isso contém determinados elementos de verdade, mas não é de maneira alguma suficiente, porque seria uma classificação no máximo negativa, seria apenas uma maneira de nos dizer o que já sabemos fartamente hoje: que Machado realmente não foi um praticante disciplinado do romance realista. É preciso, portanto, fornecer alguma idéia positiva: se ele não fez isso, então o que ele estava fazendo? E eu acredito que uma idéia que nesse caso se impõe é a da relação entre Machado de Assis e uma outra tradição literária em grande parte soterrada ou intermitente, que, tecnicamente falando, é a tradição da sátira menipéia, do gênero ora chamado cômico-fantástico, ora chamado cômico-sério, do gênero luciânico, como propõe que o chamemos um estudioso recente, Enylton de Sá Rego. No seu livro O calundu e a panacéia, ele desenvolveu mais amplamente este ponto, a meu ver de maneira muito feliz e convincente, destacando todos aqueles elementos que nos permitem observar em Machado de Assis um dos usos mais singulares, mais originais e criativos de uma perspectiva que justamente baralhava gêneros, com um sentido altamente parodístico, criando situações cômicas - daí o abundante uso da ironia, daí o sistemático uso do humorismo. A ilustração clássica aparece dentro de molduras fantásticas, como a do defunto autor, que não é, como sabemos, um autor defunto. É essa moldura fantasista de Machado que lhe permite manter a famosa técnica nas suas próprias palavras - dos "piparotes ao leitor", ou seja, que lhe dá imediatamente a carta-patente que vai permitir seus grandes romances - sem falar nos inúmeros e esplêndidos contos, e sem precisar recorrer à crônica, onde naturalmente tais procedimentos são considerados quase de rigor. Na verdade, a crônica teria sido para ele uma espécie de aprendizado permanente dessa agilidade expressiva, posta a serviço de uma técnica ficcional que obviamente se afasta dos padrões de verossimilhança realista-naturalista, mas que também possui um tom completamente diferente do que era, em média, o tom do romance romântico; este último também encerra elementos realistas, só que mais subdesenvolvidos do que na grande ficção realista ou naturalista. Assinalo o ponto porque considero que, em termos de ro °mance, ele permite uma caracterização adequada das Memórias póstumas de Brás Cubas; mas em doses mais moderadas, que implicam combinações diferentes com o realismo, também dos outros romances, e estou pensando especialmente em Quincas Borba e Dom Casmurro, ou ainda em Esaú e Jacó - isto é, esse elemento não desaparece nunca, ele é apenas completa e provocantemente ostensivo no caso de Brás Cubas, porque o romance já nasce de uma situação altamente fantástica, mas está presente em todo o Machado, e talvez seja a motivação atuante, do ponto de vista de procedimento, no sentido shlovskiano da palavra; deve ser, talvez, a motivação principal da famosa técnica dos capítulos curtos, e é, certamente, aquilo que justifica, como idéia estética, como princípio estético genérico, os "piparotes ao leitor", ou seja, esta contínua interferência na narrativa. Ora, sabemos perfeitamente que autores muito estimados por Machado a praticaram - e podemos fazer sucintamente três referências: Sterne, Swift e o conto filosófico francês. Quando esse tipo de análise se detém nos romances, é mais comum a aproximação com os grandes humoristas ingleses do século XVIII, uma espécie de eixo Swift-Sterne. Mas, na realidade, se incluirmos - e temos de incluir - a excelência de Machado como contista, o fato de que ele foi sem sombra de dúvida o maior contista das literaturas em língua portuguesa, então é imperativa uma referência ao famoso conto filosófico na tradição francesa, na tradição voltairiana, na tradição diderotiana, que lhe era também muito cara e que ele cultivava com grande esmero. São situações cômico-fantásticas ou vizinhas do cômico-fantástico. Esse tipo de conto, de talhe claramente humoristico e muito arbitrário do ponto de vista da verossimilhança - quer dizer, deliberadamente afastado da verossimilhança -, domina ou tende a dominar a produção do contista em Machado de Assis. Há em tudo isso um mínimo de background cultural- a tendência da época para a sofisticação da literatura -, mas a especificidade da posição machadiana estaria nesse seu uso poderosamente criativo de um velho gênero, o gênero menipeu, a sátira menipéia, o gênero cômico-fantástico, e no uso que ele faz disso em combinações diversas com técnicas realistas - porque também é preciso não abandonar simplesmente a idéia de que exista uma relação entre Machado de Assis e a tradição realista, porque a relação existe e é forte. Apenas no sentido dos cânones formais ele não segue o padrão do romance realista-naturalista, o que não significa que o ignore. Eu vejo cômico-fantástico em Machado de Assis, de um lado, como relacionado à tradição realista, de outro, como uma combinação cujo resultado é um hibridismo extremamente interessante e fecundo; mas trata-se uma relação híbrida, ou seja, supõe que dois elementos entram no liquidificador estético de Machado. Ele não trabalha apenas com uma ressurreição do gênero cômico-fantástico, assim como é evidente que ele não trabalha apenas na linhagem do romance realista-naturalista. Gostaria de apresentar agora com algumas observações sobre o lugar de Machado de Assis na ficção ocidental da sua época, e, quem sabe, adiantar uma ou duas sugestões sobre a sua posição no universo ibérico; em seguida, desejo tecer algumas considerações sobre a recepção crítica da obra - não sobre a recepção por parte do público, mas sobre a recepção pela crítica. Que aproximações podemos fazer entre Machado de Assis e a ficção ocidental de seu tempo, se sabemos que ele foge ao eixo da tradição realista-naturalista? Quando me referi à presença do gênero cômico-fantástico e ao uso pessoal que Machado faz da ressurreição desse gênero, estava-me referindo,obviamente, a categorias bakhtinianas, já que devemos a Bakhtin a iluminação dessa linhagem literária, dessa tradição intermitente da sátira menipéia, e devemos também a ele o principal na caracterização desse gênero. Ora, falar em Bakhtin é falar imediatamente dos dois autores que ele mais analisou: Rabelais e Dostoievski. Então a pergunta é: Machado de Assis nos leva ao nível de ficção de Dostoievski? E eu utilizo intencionalmente essa conexão para sugerir que aí devemos nos mover com muito cuidado. Acho que Machado de Assis, com todo o nosso imenso respeito por sua esplêndida produção ficcional, e literária de uma maneira geral, não é um autor que esteja no nível de Dostoievski e de Tolstoi. É um romancista, me parece, cujo grau de inegável excelência o situa em um patamar um pouco abaixo, mas esse patamar é honrosíssimo. A meu ver só temos a ganhar quando analisamos Machado de Assis pensando em certas características de Tchekhov, de um lado, e de Gogol, de outro. A propósito, eu queria me deter um pouco no paralelo com Gogol. Realmente, há toda uma impostação de ficção que os aproxima. O uso do grotesco, o gosto pelas situações fantásticas ou vizinhas do fantástico, o gosto pela sátira de situações sociais - embora Gogol seja mais estrepitoso do que o sempre sóbrio Machado de Assis.
Tal posicionamento nos dá a medida exata do seu gênio, porque acho que ninguém consideraria Gogol no mesmo nível de Dostoievski ou Tolstoi na literatura russa; não obstante, isso não nos impede de situar Gogol, como Tchekhov, como Turgueniev, num nível altíssimo, seja em termos de literatura russa, seja em termos de literatura européia de uma maneira geral. São apenas indicações para definir qual é o nível histórico-estético de Machado de Assis. Acho que é dessa ordem. Também me atreveria a sugerir que, embora com tonalidade diferente, ele se encontra no mesmo patamar de outro grande romancista contemporâneo seu: Henry James,que transformou também o romance realista de forma muito especial (não, evidentemente, no sentido do gênero cômico-fantástico). e cuja realização ficcional contém pontos muito importantes em comum com Machado de Assis, mormente no que se refere ao tempo. Houve época em que era muito comum - e Dirce Côrtes Riedel chegou a dedicar um livro inteiro ao assunto - analisase o tempo no romance machadiano. Pois bem, quando realizamos esta análise chegamos a várias conclusões de cunho nitidamente jamesiano. Também o lado de consciência artesanal da arte da ficção, esse alto grau de consciência do artifício que vai implícito no fazer ficcional, elemento medular na concepção de romance de James, é um elemento evidente e igualmente central em Machado de Assis. Mas eu não insistiria demasiadamente numa comparação que, afinal de contas, fala de dois autores cuja tonalidade, e mesmo visão de mundo, é tão diferente. De qualquer forma, encontramos em Machado de Assis vários termos de comparação com o romance finissecular: a famosa estratégia moral; a recusa das grandes bandeiras, porque atrás de cada grande bandeira estão as pequenas bandeiras dos interesses particularistas; a abordagem fria e apequenante do mundo moral; tudo isso tem a ver, me parece, mesmo com alguns romancistas modernos de primeiríssima proa, mas cuja formação contém elementos finisseculares muito importantes. São possíveis pontos em comum entre Machado de Assis e a visão moral de narradores finisseculares ou já modernos. No universo ibérico da segunda metade do séc. XIX, vejo Machado de Assis mais próximo de Pérez Galdós do que de qualquer outro ficcionista. Este é, afinal de contas, o principal narrador espanhol do século, e vai aqui uma mera sugestão para efeito de algum possível desenvolvimento. Em termos de história da literatura comparada, parece me cada vez mais que Machado de Assis é artisticamente superior a Galdós, embora a obra de Galdós seja mais abrangente e mais ampla do que a de Machado de Assis. Contudo, há mais elementos comuns entre Machado e Galdós, do que entre Machado e Eça de Queirós, seu contemporâneo na ficção de língua portuguesa. Machado é o autor mais diferente possível de Eça de Queirós, como ele próprio teve o instinto de dizer prontamente, quando a obra do escritor português estava longe de completar-se. Apesar de ter sobrevivido a Eça, ele escreve a sua página decisiva sobre este quando a obra queirosiana está nos seus primeiros vôos maduros. É com Pérez Galdós que as semelhanças são mais importantes, especialmente no que se refere a uma obra que a crítica moderna considera, ao lado de Fortunata e Jacinta, o melhor romance de Galdós, O amigo manso, que inclusive se inicia com um narrado r fora deste mundo. O fato de começar com um narrador extramundo é uma moldura ficcional de sumo interesse, que vai dar origem a um romance no qual o narrador interferente faz se um comentador intermitente, num sentido altamente humorístico e muitas vezes corrosivo. Só que de uma maneira geral- e ainda aí é um problema de tonalidade -, parece-me que a visão de mundo de Machado é muito mais cética, niilista, do que a de Galdós, pelo uso mais radical de certo tipo de pessimismo, de um lado, e pelo humor corrosivo, de outro. Em Galdós acaba predominando outro tipo de tonalidade, mais convencional, mais devedor de uma determinada linha ainda de origem romântica; afinal de contas, Galdós começou a vida escrevendo os episódios nacionais; quer dizer, é um tipo de embocadura diferente do ponto de vista da visão filosófica. Isso nos leva imediatamente a outro ponto que eu gostaria de tratar: qual seria, na visão de mundo machadiana, o substrato de suas leituras filosóficas. Tal ponto tem um interesse certo porque, para começar, não era comum os nossos romancistas terem leituras filosóficas. Tomemos o caso de Alencar, que, afinal, é o patriarca não só do Romantismo como do romance no Brasil, e, enquanto tal,era profundamente respeitado por Machado de Assis - que dele não aprendeu pouco. Em Alencar não existe uma referência filosófica maior, de primeira importância; Alencar tinha alguma cultura teórica, sobretudo de natureza político-jurídica; deixou, aliás, nesse terreno, trabalhos que hoje a história crítica das idéias no Brasil começa a valorizar, e muito - queria chamar atenção aqui para o notável estudo de Wanderlei Guilherme dos Santos sobre as idéias políticas de José de Alencar, em particular os seus textos sobre liberalismo, democracia e representação; não obstante, não existe uma referência filosófica central na obra de Alencar. Mas na obra de Machado de Assis a crítica, a boa crítica, soube chamar atenção, a meu ver convincentemente, para essa existência. Refiro-me em particular à obra de Eugênio Gomes, iluminando a chamada "conexão schopenhauriana" no autor do Brás Cubas. É inegável que a conexão existe. É inegável que Machado de Assis não só leu, e leu muito, Schopenhauer, como o compreendeu - o que não era pouco em sua época. Algumas de suas referências mostram, por exemplo, com que acuidade percebeu - ele, que era um autodidata em tudo, e, muito particularmente, em filosofia - como a visão schopenhauriana significava determinadas exclusões e, antes de mais nada, a exclusão de filosofias da história totalistas ou totalizantes - em suma, daquilo que se poderia chamar, de uma maneira geral, o hegelianismo ambiente, o hegelianismo como caldo de cultura filosófica. Miguel Reale, num livro interessante sobre a filosofia de Machado de Assis, mostra, a meu ver também de maneira bastante persuasiva, que esse ponto, embora rico e certamente significativo, não deve ser exagerado; não devemos pensar que Machado perfilhava cada grande posição da filosofia schopenhauriana. A famosa metafísica da vontade, por exemplo, que evidentemente é o eixo central em Schopenhauer, não parece ter sido subscrita por Machado; ao contrário, seria possível arrolar - e Miguel Reale o faz no seu livrinho - mais de uma instância em que Machado discreparia, em que Machado tenderia a discrepar de uma apresentação da realidade em termos de metafísica da vontade. Metafísica da vontade à parte, Machado - especialmente em Esaú e Jacó, onde isso é visibilíssimo, mas de uma maneira geral em toda a obra madura de ficção e em um número muito alto de contos lida com elementos schopenhaurianos que têm a ver, sobretudo, com o confronto de apetites, o que não deixa de levar, indiretamente, à metafísica da vontade. O caso de Esaú e Jacó é paradigmático: o que é Flora, senão um estado estético evanescente, que desaparece dessa vida diante da impossibilidade de dar razão a apetites contrários, cada um mais cego do que o outro, a ambições contrárias, cada uma mais limitadora e relativa do que a outra, como no famoso duelo de Pedro e Paulo, os dois irmãos? De uma maneira geral, eu me atreveria a sugerir que isso permite outras avenidas de confrontação comparatista, porque uma boa parte da literatura moderna está impregnada de Schopenhauer. Ele foi um filósofo muito singular do ponto de vista da sua influência, pois, não tendo tido praticamente nenhuma enquanto vivo, a não ser rigorosamente nos seus anos finais, teve tremenda influência post-mortem, sobretudo no período pós-romântico, declinando esta embora no período moderno. Mas a verdade é que ele continua a influir em figuras absolutamente centrais também no período moderno, e eu citaria como exemplo dessa influência o caso de Kafka. Kafka é um autor de quem se pode dizer - e já se disse brilhantemente, através de livros inteiros - que o problema central de sua ficção é o problema da individuação, quer dizer, sua obra apresenta a poderosa sugestão de que a individualidade é, em si mesma, algo de profundamente problemático, para não dizer pecaminoso, e esse sentido infinitamente problemático da individualidade é parte do cerne da filosofia de Schopenhauer. Vejam como cada um dos grandes ficcionistas serviu-se de coisas diferentes do pensamento de Schopenhauer, porque evidentemente esse ponto não parece ser assim tão crucial em Machado de Assis. Para Machado não é a individualidade na sua própria essência que constitui o problema; são outras coisas, é sobretudo o embate dos apetites, é uma visão que desqualifica todas as ambições, todos os apetites, todos os impulsos, em nome de uma possível contemplação estética de tipo nirvanista e, em última análise, de tipo niilista; é o famoso niilismo de Machado. Falando desse niilismo de Machado de Assis, desejo fazer três ou quatro considerações finais, agora sobre a recepção crítica de sua obra; limitarei contudo minhas reflexões à crítica nacional. Machado de Assis tem nitidamente duas fases na sua recepção crítica. A primeira, dominada por nomes como José Veríssimo, Sílvio Romero (na posição contrária que nós conhecemos) e Alfredo Pujol, é uma espécie de prólogo; o jogo ainda não começa verdadeiramente, é uma espécie de fase de aquecimento, em que predomina a visão anatolizante: Machado de Assis, o Anatole France tropical; Machado de Assis, o cético de salão; Machado de Assis, o ático; Machado de Assis, o grego de Nabuco. Evidentemente, sabemos que esse período é rompido pela obra firme, forte, incisiva de Augusto Meyer, meu candidato preferido ao título de maior crítico brasileiro entre os grandes críticos pós-românticos, não só em termos de literatura brasileira, mas em termos das literaturas latino-americanas de sua época.
Sabemos que a obra de Augusto Meyer sobre Machado de Assis é um marco, que começa com um foco predominantemente biográfico (e que não o impede de ser muito importante na história da interpretação machadiana) e se encaminha, em ensaios posteriores, para uma visão que aí já é ergocêntrica, quer dizer, o foco está na obra, e não mais nas circunstâncias biográficas do autor. Seja como for, desde sua fase de foco biográfico, a obra de Augusto Meyer sobre Machado foi importantíssima porque, ao lado de biografias exemplares, como a de Lúcia Miguel-Perei ra, mas indo mais fundo no que se refere a sugestões para a interpretação da obra e sobretudo da visão de mundo, Augusto Meyer destruiu o mito de uma espécie de cético amestrado, de uma espécie de cético de salão basicamente anódino, inofensivo - enfim, desse Machado ático - e iniciou um veio interpretativo que chamava a atenção para aspectos dostoievskianos de Machado de Assis - ou seja, o lado "homem subterrâneo", o lado demoníaco. Apresentava também determinadas hipóteses causais quanto à motivação biográfica de tudo isso, mas estas constituem a parte menos resistente nessa construção, nessa revisão meyeriana da imagem de Machado de Assis. Em seguida ao nome de Augusto Meyer - estou ainda na infância da verdadeira crítica aprofundante de Machado de Assis -, acho que o nome que merece imediata citação não é o de Astrojildo Pereira, e sim o de Eugênio Gomes, porque, com todo o respeito pelo trabalho histórico-crítico de Astrojildo Pereira - especialmente a idéia de Machado de Assis como romancista do Segundo Reinado -, e apesar de Astrojildo fazer um importante levantamento do reflexo do aspecto histórico-social na obra machadiana, ele não organiza isso do ponto de vista de uma hipótese interpretativa como tal. Há muitos ensaios de Eugênio Gomes sobre Machado de Assis, como sabemos Espelho contra espelho, por exemplo, - e alguns deles se referem a aspectos formais, mas acho que a sua contribuição mais importante foi uma espécie de mapeamento da visão de mundo, que culmina no testamento estético de Machado de Assis, Esaú e Jacó. A sua notável interpretação deste romance significa o seu resgate para o cânone machadiano, que andou durante muito tempo dominado por Dom Casmurro. A crítica que gostava de Machado, mas resistia a entendê-lo em toda a sua complexidade, em geral idolatrava Dom Casmurro, por ser um romance de assimilação mais fácil, um romance mais passível de ser assimilado ao cânone da tradição realista e naturalista, com um grande tema central, Bentinho e seu ciúme, etc. E de fato a crítica andou por aí. Barreto Filho, num livro bastante sutil, é disso, sob vários aspectos, um exemplo típico, ver em Dom Casmurro o Machado plenamente realizado. Creio que esse é um ponto que merece a nossa meditação, porque hoje em dia a tendência me parece ser diversa: sem deixar de apreciar Dom Casmurro, não ficamos tão impressionados por esse romance de estrutura regular, que parece mais orgânico e, sobretudo, mais próximo dos grandes romances realistas - o que nos permitiria alinhá-lo numa galeria de grandes romances do século XIX sobre o adultério (embora em graus diferentes de realidade), quer dizer, que nos permitiria colocá-lo ao lado de Madame Bovary e de Anna Karenina como o terceiro grande romance oitocentista sobre o tema. Tudo isso não desqualifica Dom Casmurro, mas de certa maneira o destrona. Nossa sensibilidade nos conduz agora, de preferência, ao eixo Brás Cubas / Quincas Borba, como já antes Eugênio Gomes havia tentado levarnos de preferência ao eixo Esaú e Jacó / Memorial de Aires. São shifts, são deslocamentos importantes; não é possível renovar a perspectiva crítica sem privilegiar regiões diferentes, mesmo dentro da obra madura, e, nesse caso, de propósito eu não falo dos contos, nem mesmo de uma novela como O alienista. A que se deve, em termos puramente formais, esse shift de interesse na crítica brasileira, que privilegia, hoje em dia, Brás Cubas e Quincas Borba, que volta enfim aos romances onde o cômico-fantástico, o cômico-sério está mais presente? Há uma perspectiva que rompe com abordagens formalistas e se encaminha para uma abordagem que ao mesmo tempo tem um pé no formal e um pé no sociológico, e que, de uma maneira geral, tende a ver o texto como um resultado (para empregar uma expressão de que gosto muito e que se deve a Antonio Candido): a idéia de que o texto é um resultado e um campo de forças onde evidentemente a motivação da abertura ao mundo e a motivação social estão fortemente presentes. Essa experimentação crítica tem,portanto, como seu húmus, como sua principal motivação, um elemento de natureza sociológica,uma abordagem de tipo sociológico, mas é preciso ver aí de que tipo de abordagem sociológicanós estamos falando; nesse momento, para concluir com poucos nomes, para sublinhar um pouco melhor esse problema da recepção critica, vejo me obrigado a deter-me nos livros de Raymundo Faoro e Roberto Schwarz, aliás nos textos de Roberto sobre Machado, visto que os últimos textos já excedem, evidentemente, Ao vencedor, as batatas.
Qual é a hipótese central de Faoro sobre Machado de Assis, qual é a visão central que sobre Machado apresenta A pirâmide e o trapézio? É um estudo notável; os elementos sócio-políticos que podem estar presentes ou refletidos em Machado se encontram muito bem inventariados - e o livro vai mais adiante do que outros estudos anteriores nesse aspecto -, mas a hipótese central é a de que a obra de Machado não tem uma perspectiva histórica totalizante, e é, pelo menos do ponto de vista da visão histórica, inferior a outras obras de ficção da época, notadamente no âmbito do romance europeu. Este é um ponto que ele deixa claro. O romance machadiano tem como característica tratar do mundo moral, discutir os seus valores. Para Faoro, Machado de Assis é um moralista no sentido francês da palavra, e nesse particular acho que ele tem toda razão; Machado está impregnado de uma visão da literatura que tem muito a ver com a tradição moralista francesa. Nos contos, então, isso é de uma evidência ofuscante, mas em toda a obra de ficção, de uma maneira geral, é verdadeira. Para Faoro o moralista Machado de Assis (que é moralista no sentido, evidentemente, do moraliste, e não no sentido do moralizante) estará no fundo tratando de quê, alegórica ou simbolicamente, em sua obra? Está tratando do colapso, senão claro e franco, pelo menos íntimo, de um determinado tipo de sociedade, que é uma sociedade que Faoro chama de estamental, e eu prefiro chamar de sociedade senhorial, dentro do capitalismo periférico brasileiro daquela época, dentro do nosso capitalismo ainda escravocrata ou apenas recém-saído da escravatura. E, segundo Faoro, essa sociedade, que está em crepúsculo histórico no Brasil de Machado de Assis, é uma sociedade onde os valores, ou critérios, ou padrões que regiam a sociedade estamental - que são essencialmente padrões de honra e de serviço - estão em recuo, estão em perda irremediável; e as novas relações sociais de tipo mais moderno - porque pertencentes a uma outra fase, capitalista instalam a confusão dos valores, instalam uma espécie de grau zero dos valores, e é aí que Machado constrói seu humorismo, é aí que ele constrói sua visão niilista do homem e da sociedade. Eu diria que há um elemento relevante nesse tipo de visão, mas há dois problemas que me inquietam. O primeiro é a teoria da passagem, isto é, Faoro apresenta uma possível modernização na sociedade brasileira já nessa época - em 1880 ou em 1900 -, fenômeno que, a meu ver, vem muito depois. Na realidade corresponde mais em cheio à nossa época. Na época de Mário de Andrade o processo está em seu início; o próprio Brasil de 1930 é ainda um Brasil protomodernizante; só depois se toma então plenamente modernizante, mas este não é o caso, por certo, do Brasil de 1880 ou de 1900. Em outras palavras: a premissa histórico-sociológica de Faoro me parece forçada, porque noto mais elementos de continuidade do que de descontinuidade na configuração sócioeconômica do Brasil entre a primeira e a segunda metades do século XIX, quando transcorre a vivência de Machado de Assis. Isso como primeira observação. Como segunda observação, Faoro liga isso com habilidade à "Teoria do medalhão", à "Doutrina da alma exterior", à famosa "Farda do alferes Jacobina", em suma, a todos aqueles aspectos de metafísica psicológica ou psicologia metafísica de Machado de Assis, fartamente conhecidos, e que indicariam na obra do escritor um vazio no que se refere ao sujeito, ao indivíduo, à pessoa, conforme se verifica em "Teoria do medalhão", "O segredo do bonzo" e "O espelho". Ora, esses aspectos não se conjuminam, a meu ver, com o fato de que, dentro das próprias premissas do raciocínio de Faoro ao caracterizar o grande romance europeu, este teria acompanhado as relações capitalistas que ele vê chegarem tão mais tarde no caso brasileiro. Aqui haveria uma defasagem histórica, nós estaríamos numa sociedade senhorial, que ele chama de estamental, partindo para relações sociais mais modernas, relações essas que o romance europeu já freqüentava desde antes. Pois bem, nesse romance europeu não encontramos em posição central a teoria da vacuidade do sujeito, ou da individualidade, ou da pessoa, mas, ao contrário, encontramos, em vários autores, o que, mesmo sem empregar aquela velha expressão "herói positivo", poderíamos chamar de caracteres extremamente afirmativos, ainda quando amorais ou imorais. São, em suma, os caracteres napoleônicos e byronianos do romance europeu do séc. XIX. Percebo então que, de um lado, a premissa sociológica é muito discutível, me parece muito problemática e, de outro, a premissa psicológica, na teoria de Faoro, também me parece discutível, pois, afinal de contas, se Machado estava reagindo a uma modernização de relações sociais, por que de repente essa ausência de heróis lermontovianos ou balzaquianos no seu romance? Ao contrário, esses heróis deveriam estar presentes. E, não obstante, Mário de Andrade, numa famosa página meio século depois, vai denunciar quase toda uma tradição no romance brasileiro pela ausência do herói positivo. Não é, portanto, a caracterização de Faoro que está errada; é a explicação dele que não me convence, com todo o respeito pelo extraordinário valor descritivo e de observação histórico-sociológica que seu livro possui.
Isso nos faz retomar à obra de Roberto Schwarz, porque nos leva de volta à idéia de que o mais fecundo como visão crítica, como interpretação, de Machado de Assis é o máximo possível de historismo. E o que eu quero dizer com historismo? Por que não disse historicismo? Porque sou um pedante que insiste o tempo todo, através de inúmeros textos, na valia, no valor dessa distinção historismo/historicismo. Acho que é preciso reservar a palavra historicismo para designar qualquer teoria das leis da história, qualquer teoria da evolução histórica apresentada em distintos graus de determinismo e de teleologia, de finalismo, e é preciso termos bem em mente que isso é muito diferente da abordagem historista, que é a abordagem, como na tradição alemã da palavra - Historismus - que tem a ver sobretudo com a especificidade irredutível, com a individualidade, com a unicidade de um momento histórico. O olhar historista é, portanto, exatamente o oposto do olhar historicista porque, enquanto este se preocupa com a lógica da história, e nesse sentido com uma abordagem macro-histórica, o olhar historista, ao contrário, se preocupa com a unicidade irrepetível e inconfundível de um contexto histórico, seja esse contexto uma época inteira, seja um país inteiro, seja ainda esse contexto uma obra literária, ou artística, ou de pensamento. Ora, estou chamando a abordagem de Roberto de historista no sentido de que ela me parece ter como vantagem sobre outras abordagens sociológicas sofisticadas a característica de frisar o elemento "contexto brasileiro da época" na sua especificidade. A famosa tese das idéias fora de lugar, de um lado, e a combinação dessa tese com o fato de que Machado, ao realizar a denúncia humorística das idéias fora de lugar, dava quase sempre um jeito de realizar também uma corrosão crítica da própria ideologia ocidental ou metropolitana importada e que, por ser importada, gerava as idéias fora de lugar, essa idéia me parece que articula, nos textos de Roberto, uma hipótese bem plausível para que entendamos o que ele chama de "jogo entre a anedota e a reflexão" na obra machadiana. Temos a obra de Machado como uma estratégia simbólica de resposta a essa situação histórica, e não de mero reflexo dela, e temos, finalmente, o elemento formal (que, simplificando, estou chamando de "jogo entre a anedota e a reflexão" - valendo-me arbitrariamente das próprias palavras dele) como princípio de alegorização dessa resposta simbólica a uma determinada situação histórica. E ele não se esquece, inclusive, de observar que o Machadinho que se tinha transformado em Machado de Assis, que tinha triunfado na vida, que se tinha tornado um vencedor, utiliza sua nova perspectiva do alto para, não obstante, levantar essa visão eminentemente corrosiva, essa visão negativa da nossa realidade social e da realidade humana, através do prisma do nosso contexto social específico. É essa a minha reação ao estudo de Roberto Schwarz. Creio, sinceramente, que se trata de uma reflexão que permanece altamente fecunda, e por isso estou ansioso por sua continuação' pois acho que isto é, concretamente, o maior triunfo analítico dentro da crítica brasileira moderna contra as tendências formalistas que, nos últimos vinte ou vinte e cinco anos, jamais deixaram de assaltar, solicitar e tentar hipnotizar essa crítica, infelizmente conseguindo em parte fazer tudo isso. É um esforço, uma empresa de reinterpretação crítica de Machado de Assis que, sem esquecer o formal, é capaz, o tempo todo, de relacionar o formal ao social, em suma de nos restituir aquela fecunda relação entre literatura e vida, literatura e mundo, literatura e história que, afinal de contas, faz a grandeza de toda literatura.