O livro de Juanita Castro, contra os dois irmãos inimigos, provoca comentários sobre atos e nomeações de João Goulart. Estranhas, espúrias, estabanadas, acabaram por derrubá-lo.
Helio Fernandes
A irmã de Fidel e Raul Castro publicou finalmente sua biografia, tão esperada. Pedro do Coutto (não fugindo do habitual), fez admirável artigo sobre as confissões dela. Fui me lembrando de João Goulart, seus erros constantes, principalmente nas escolhas dos principais auxiliares.
Ela praticamente não cita nem fala do ex-presidente, mas os fatos levam naturalmente à analise histórica de como agia, não digo primariamente, mas é impossível fugir dessa constatação. Não vou relacionar os erros na ordem cronológica, pois Jango cometeu o primeiro deles em 1952, mas tenho que começar em 1961/62, nomeação com total desinformação.
A autora confessa que é da CIA, e que foi cooptada (textual) pela então embaixatriz do Brasil em Cuba, Virginia (Nininha) Leitão da Cunha. Esta lhe telefonou e disse, “precisamos conversar, mas não aqui em Cuba, como sou da CIA, seria difícil”.
Marcaram então encontro no México, se instalaram no Hotel “Caminho Real”, magnífico 5 estrelas, quem pagou foi o representante da CIA, que foi se encontrar com elas. E depois foi para os EUA com Juanita, onde tudo foi devidamente acertado e assentado.
A embaixatriz voltou para Cuba, onde durante 12 dias foi recepcionista de Jânio, Fidel e Che Guevara, que não saiam da sua casa. Eram recebidos pela embaixatriz, que mandava relatórios diários para a CIA, à qual pertencia. Aqui a pergunta obrigatória: “O embaixador não sabia de nada? Sua mulher pertencia à CIA, ele não tomava conhecimento nem dos relatórios e da forma como eram enviados?
Isso se tornou ainda mais assombroso quando Jango nomeou o próprio Vasco Leitão da Cunha para embaixador na União Soviética. O segundo posto mais importante do país, ocupado pelo marido da “espiã que saiu do frio”.
Ninguém para informá-lo, aconselhá-lo (e o Itamaraty?), para mostrar quem era ideologicamente Vasco Leitão da Cunha? E veio logo a constatação e a comprovação, provavelmente como recompensa pelos relatórios da mulher.
Assim que se concretizou o golpe de 64, Leitão da Cunha viajou de Moscou, desembarcou diretamente como Ministro do Exterior. Só que já estava aqui, no interior. Lógico, com a mulher, que continuava “membra” da CIA.
Em relação ao EUA, Jango cometeu o mesmo e inacreditável equivoco. Nomeou embaixador lá o senhor Roberto Campos, que era o mais notório serviçal daquele país. Mesmo os mais diletos amigos de Jânio não entenderam essa indicação.
Roberto Campos era o Vasco Leitão da Cunha da vez. Só que Campos sabia de tudo, de lá foi um grande “colaborador” do golpe. Recebia (e respondia) relatórios do Embaixador Lincoln Gordon. E do general Vernon Walters, “espião competente”, que fizera amizade com muitos desses militares do golpe, que serviram na FEB.
Roberto Campo lamentou não poder viajar no mesmo dia 1º de abril (data sintomática do golpe), mas seu lugar como primeiro-ministro, garantido e indispensável.
João Goulart foi expulso e escorraçado por aqueles nos quais confiara, numa espantosa demonstração de desinformação. Jango viajou para Singapura por determinação do presidente Jânio, não percebeu que era armadilha? Como saiu errado, Jango “virou”presidente. Mas errou mais do que o permitido.
Como prometi, voltemos ao passado. No final de 1952, Jango era Ministro do Trabalho. Concedeu aumento de 100 por cento no salário mínimo. Golbery articulou e redigiu o que se chamou de “Manifesto dos Coronéis”. Exigiram a saída de Jango do Ministério, a primeira assinatura era de Amaury Kruel. Jango deixou o Ministério (concessão, covardia e omissão).
Dez anos mais tarde, já presidente, quem nomeou Chefe da Casa Militar? O próprio Amaury Kruel, já general, mais tarde promovido a Ministro da Guerra (pelo próprio João Goulart).
Não defendo o odio, a vingança, a hostilidade presente por causa de fatos passados. Mas no momento em que entregava cargos-chaves a inimigos, vetava a ascensão de amigos, como foi o caso do cunhado e acima de qualquer suspeita, Leonel Brizola.
O ex-governador, então o deputado mais votado, procurou o cunhado, com a proposta: “Você me nomeia Ministro da Fazenda, se eu exagerar em qualquer momento, pode me demitir com aval do Ministro Lott”.
Jango pediu tempo, foi se consultar com quem? Com o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, e com o todo poderoso “doutor” Roberto Marinho. Recebeu os dois em seu quarto particular, com o homem da Organização Globo sentado na sua própria cama. (Já contei o fato na época mesmo, agora tem que se lembrado e relembrado).
Os dois disseram ao presidente: “Se você nomear Brizola Ministro da Fazenda, não termina o mandato”. Não nomeou e não terminou. Só que jamais se contou a “motivação” de Jango. Ele queria continuar no Poder, naquela época não havia reeeleição. E Jango sabia que, se Brizola fosse Ministro, obviamente invencível para presidente. E até as pedras da rua (Rui Barbosa) sabiam que Jango não queria deixar o Poder.
Aí vieram as ações insensatas. Mandou mensagem ao Congresso, decretando o “Estado de Sítio”, pretendendo a intervenção no Estado da Guanabara e o fechamento da Tribuna da Imprensa.
Sempre mal informado, acreditava que o jornal ainda fosse de Lacerda. Este vendera a Nascimento Brito (do Jornal do Brasil), pagou uma fortuna ao já governador, que não podia acumular com a atividade jornalística).
Tudo isso insuflou e alimentou a ansia de Poder dos militares, que vendo “todo mundo conspirar”, conspiraram também. Seis governadores queriam o Poder nacional, os militares também se organizaram. E como todos divididos, e eles naquele momento unidos, saíram vitoriosos.
Em 1º de abril era um simples golpe, não pensavam numa ditadura formal, que durasse mais de 20 anos. Durou, favorecida pelo “apoio” dos EUA, pela existência de outras ditaduras. E mais: “A argumentação de que estavam salvando o país da “comunização”.
Os dois comícios (da Central do Brasil e do Automóvel Clube, 13 e 28 de março), só poderiam se realizar, se Jango olhasse para trás e visse o Exercito inteiro aplaudindo-o e apoiando-o. Nada disso aconteceu, 72 horas depois estava derrotado e derrubado.
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PS – O general Chefe da Casa Militar lhe dizia sempre: “Presidente, temos 90 por cento das Forças Armadas”. Atravessando a fronteira com ele, Jango perguntou, amargurado: “Então tínhamos 90 por cento das Forças Armadas”. Não precisava de resposta, estavam indo para o exílio.
PS2 – Não se falaram mais, Brizola e Jango. Lacerda foi a Montevidéu levando o Manifesto para o ex-presidente assinar, afirmou: “Daqui vou encontrar o ex-governador Brizola, para também assinar”. Jango empurrou o papel, disse: “Se esse senhor assinar, em não assinarei. Lacerda me contou, espantado.
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