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sábado, 2 de julho de 2011

Aloísio Mercadante, ator de Ionesco no teatro do absurdo


PEDRO DO COUTTO

Ao depor na tarde de terça-feira na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado sobre as acusações que lhe foram imputadas em 2006, revividas agora pela revista Veja que está nas bancas, episódio da falsificação do dossiê dos aloprados, o ministro Aloísio Mercadante, sem dúvida, tornou-se um ator do teatro do absurdo de Ionesco. As peças do autor francês, de origem romena, foram traduzidas no país nas décadas de 50 e 60 por Millor Fernandes. Brilhantemente traduzidas, reconheceram os que dominavam o tema e a língua pela extrema complexidade de seu conteúdo.
Vamos por partes. Em primeiro lugar o dossiê dos aloprados. Um documento falso negociado através de quadros do PT com o objetivo de favorecer Mercadante na disputa contra José Serra pelo governo de São Paulo. Em vão porque a tentativa fracassou e Serra venceu por larga margem de votos. Alguns envolvidos ocupavam cargos de confiança no Planalto. Lula os demitiu e a eles atribuiu a classificação de aloprados.
Portadores  do dinheiro para o ato imundo foram presos pela Polícia Federal. Chantagem, partindo da compra e uso equívoco de ambulâncias, de cujas transações sujas saiu a comissão para o suborno. A quem interessava o crime? Perguntaria Sherlock Holmes.
Mercadante, então senador, negou sua participação. Mas agora um diretor do Banco do Brasil, Expedito Veloso, do Partido dos Trabalhadores, entrevistado pela Veja, acusa frontalmente o ministro da Ciência e Tecnologia. Na ocasião, 2006, uma outra revista semanal, que não a época, recebeu a tarefa de publicar a denúncia falsa. Fez isso. Sua tiragem desabou e ela não se recuperou até hoje. Ficou no passado.
No presente o fato voltou à tona. Mercadante resolveu se defender e rechaçar o texto da Veja. Excelentes reportagens de Jailton de Carvalho, O Globo e Breno Costa da Folha de São Paulo, edições de quarta-feira 29, reproduziram seu depoimento em 2011. Eugene Ionesco puro. Farsa total. Não senso absoluto. Acossado fortemente por Francisco Dornelles, Mercadante reconheceu a falsificação mas a retirou de sobre si mesmo. Culpados foram os outros. Quais? Indagou Dornelles.
Foi obra de uma militância com a qual eu não mantinha contato – afirmou singelamente Mercadante – e que via no ato (de falsificar) a missão heróica de destruir a corrupção (de quem?) e romper a blindagem que existia na imprensa em relação ao governo Lula.
Inacreditável, digo eu. Mas está nas páginas de O Globo e da FSP, além de nos arquivos do Senado Federal. Mercadante não disse coisa com coisa. Se o grande Millor não estivesse internado, certamente relembraria os personagens de Ionesco, como a Cantora Careca e O Rinoceronte e incluiria Aloísio Mercadante no elenco vago da ruptura do autor com sua própria história e com os limites narrativos de sua complexa obra.  Mas este é outro ângulo da questão.
Deixando o plano da irrealidade e passando para o da verdade, coube ao senador Francisco Dornelles desmascarar a ópera bufa. O episódio dos aloprados, sustentou o parlamentar do PP, não constitui um caso político. Não cabe no Senado. O caso dos aloprados é um caso de polícia – acrescentou . Dornelles surpreendeu Mercadante, na medida em que mudou rapidamente de tratamento em relação a ele. E cobrou coerência ao rememorar: lembras-se das acusações contra dois senadores com base em reportagem na imprensa? Chegou a pedir suas cassações. Agora chegou sua vez de ser acusado também através da imprensa. Não há nada – concluiu – como um dia após o outro. Foi um corte no tempo, digo eu. O autor da peça virou-se contra o personagem. Ionesco, ele próprio, desceu as cortinas.

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